Em Porto Alegre para o Fórum da Internet no Brasil, Thiago Tavares, presidente da Safernet, media nesta terça-feira uma um debate sobre tolerância e diversidade na internet. Ao mesmo tempo que rede é um lugar para expressão de ideias e se tornou um meio para lutar e denunciar desigualdades, os discursos contra minorias e sites que hospedam conteúdos discriminatórios ganham força. É possível acompanhar os debates do Fórum da Internet no Brasil por meio do link de streaming.
No segundo dia do evento promovido pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), ele estará ao lado de Alexandre Pacheco (FGV-SP), da deputada estadual Manuela D'Ávila, Paulo Rogério Nunes (Harvard University) e Priscila Schreiner (Ministério Público Federal).
Fundador da ONG que gerencia denúncias de crimes cibernéticos e é uma referência em prevenção e luta por direitos humanos na web, Tavares falou com ZH sobre alguns dos principais temas que incitam debates sobre o mundo conectado.
Você vai participar de uma mesa sobre tolerância e diversidade na internet. Poderia adiantar o que esse painel vai abordar e as principais questões em torno desse problema hoje no Brasil?
O que vimos é o crescimento do discurso de ódio direcionado a grupos e minorias historicamente discriminados no Brasil. Existem sinais claros de que isso é agravado pela polarização politica, que muita vezes acaba incentivando esse tipo de comportamento de usuários que antes denunciavam e agora compartilham esse tipo de discurso. Isso tem nos preocupado muito, é como se uma parcela da sociedade tivesse enxergado com mais naturalidade o discurso de ódio e de preconceito contra minorias. O que o seminário vai fazer é propor uma necessidade de equilíbrio entre dois direitos humanos fundamentais que as vezes entram em colisão, a liberdade de expressão e o direito humano a não ser discriminado em razão da sua etnia, religião ou orientação politica e ideológica. As respostas desse debate não são simples.
Qual seria a solução ideal para acabar com isso?
Continua sendo a educação, que é o maior desafio. Incluir na sala de aula a discussão sobre cidadania digital, sobre uso ético e responsável da rede. Isso é inclusive um dos mandamentos previstos no Marco Civil, que diz explicitamente que a educação digital nas escolas deve preservar o uso ético, seguro e responsável da rede. Isso é uma diretriz das atuações dos governos, incluir no currículo escolar matérias e temas que permitam uma criação de um debate sobre esses temas. Qualquer evolução nessa área vem pela educação. Não acredito que as políticas criminais deem conta desse problema. Isso já se provou até mesmo fora da rede.
Um dos projetos da Safernet é mapear onde o conteúdo de ódio e criminoso está hospedado. O que você pode nos dizer sobre esses dados?
Não quer dizer que o país que hospeda o conteúdo é onde o conteúdo foi criado. As páginas do Facebook, por exemplo, não estão hospedadas no Brasil, estão hospedadas na Irlanda e nos Estados Unidos. Para combater certos crimes, às vezes é preciso recorrer à cooperação internacional porque o conteúdo está hospedado fora do Brasil e as empresas não tem representação legal aqui no país. Existem páginas neonazistas, criadas por células neonazistas brasileiras, e que promovem discurso de ódio, que estão hospedadas em servidores de fora. Então o Ministério Público e a polícia precisam recorrer a instrumentos de cooperação internacional e que muitas vezes demoram muitos meses para se obter uma resposta, e que nem sempre é satisfatória. Isso gera um sentimento de impunidade que acaba contribuindo para que essas organizações que pregam discurso de ódio continuem impunes.
Um crime que preocupa os pais é a pedofilia na internet. Como esses criminosos atuam?
A internet é usada muitas vezes para divulgar imagens de abuso e exploração sexual infanto-juvenil. Imagens que foram captadas durante abusos e violência sexual fora da rede. Isso é o mais comum. Esses crimes padecem da invisibilidade, já que são praticados muitas vezes por alguém próximo da criança. A internet acaba dando visibilidade para provas materiais de que aquele crime foi cometido. Muitas investigações de abusos e crimes sexuais começaram a partir de imagens divulgadas pela internet, alguém viu, denunciou, e a Policía tomou conhecimento e prendeu o agressor. Se não fosse a rede, o crime continuaria impune. Quando essas imagens foram colocadas na rede, tornou-se possível que a investigação fosse feita. A internet tem esse caráter ambíguo, ao mesmo tempo que é usada para disseminar essas imagens e tornar a vítima novamente vulnerável, perpetuando o dano, por outro lado, essas imagens que permitem que a investigação seja iniciada.
Um discurso recorrente é que o Brasil precisa de leis mais duras para combater crimes cibernéticos. Você já se mostrou contrário a essa posição.
O Brasil não precisa de novas leis, o que precisa é aplicar essas leis. Me preocupa essa profusão de projetos de lei procuram alterar o Marco Civil. Existem hoje quase 300 projetos de lei na Câmara e no Senado que pretendem alterar esse equilíbrio que foi alcançado com o Marco Civil. Sempre que existe um crime de grande repercussão, o Congresso se mobiliza para propor novas leis de caráter punitivo. Não é o tamanho da pena que inibe a criminalidade e sim a certeza da punição. E não há estrutura no Estado par aplicar essa lei adequadamente. Vivemos em um país continental, temos 27 Estados, mas apenas em 8 capitais que existem delegacias especializadas em repressão a crimes cibernéticos. Isso significa em 19 estados não existem delegacias, mesmo já existindo lei em vigor que determina a criação dessas delegacias. A estrutura da PF que foi a que mais avançou nessa área mas ainda tem uma estrutura deficiente e inadequada quando se compara com outras grandes policias do mundo que trabalham como populações proporcionais a da população brasileira.
A pessoa vítima de um crime cibernético ficaria totalmente desamparada?
Não tem como nem iniciar uma investigação. A pessoa pode até procurar uma delegacia do bairro, mas muita vezes essa delegacia não tem nem acesso à internet, quem dirá estrutura necessária para coletar os indícios do crime. Esses crimes ficam impunes. A regra em geral é a impunidade, mas não só para os crimes cibernéticos.
O excesso de informação e cuidado também dá chance para que esses criminosos atuem com mais facilidade? As pessoas tendem a subestimar o tipo de informações que publicam?
Elas subestimam principalmente quem tem acesso. A tendência é que ao compartilhar uma foto ou dado de localização é você achar que só seus amigos tem acesso. Mas há um universo muito grande de pessoas que podem ter acesso a essa informação e as pessoas não se dão conta disso. Uma vez que essa informação se torna pública, ela pode ser usada para outras coisas, inclusive, para fins ilícitos. É importante os usuários configurem adequadamente seus perfis na rede social e evitem publicar conteúdos com os quais podem se arrepender de terem publicado. Esse autocuidado e bom senso que deve prevalecer no uso das redes sociais. A internet é um espaço público de interação como outro qualquer, a diferença é que você não tem certeza quem está acessando aquelas informações ou dados.