Bolt não tinha nem dois meses quando tomou o primeiro voo. Em uma caixinha especial para o transporte de pets, o golden retriever foi mandado de Belém, no Pará, para Porto Alegre. Recebeu as boas-vindas em festa – e retribuiu com lambidas. A casa dos Delavi estava decorada com faixas e cartazes feitos por Victória, oito anos, e Helena, cinco, especialmente para a chegada do cachorro que ganharam de presente do tio. Os pais das meninas, os administradores Fulvio e Eloise tiveram, assim, desde o início, a sensação que já perdura dois anos e meio.
– A família ficou mais completa –resume Eloise.
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Animais de estimação também preencheram ainda mais a vida da médica Marta Isabel Hübner, que mora sozinha em um apartamento no bairro Bom Fim, na Capital. Sozinha não: com Anastácia, Annika e Guri. Os três miavam soltos pela rua, em locais e dias diferentes, quando Marta cruzou o caminho deles:
– Eles que me adotaram. Quando peguei a Annika, por exemplo, eu saía para um plantão no hospital. Era feriado, chovia horrores, e eu ouvi que um gato miava como se estivesse sofrendo. Ela estava presa em um bueiro. Aí levei para casa.
Não se pode dizer que exista um perfil específico entre donos de cães e gatos. São homens, mulheres, solteiros, casados, jovens, adultos e idosos – afinal, os pets estão presentes em 65 milhões de domicílios no país, de acordo com o último levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Marta e a família Delavi, no entanto, trazem características que se revelam traços importantes entre os brasileiros que convivem com latidos e miados.
De acordo com pesquisa do Ibope Inteligência divulgada na última semana, donos de cachorro são, em sua maior parte, homens e casados, que somam 51% dos entrevistados, enquanto as mulheres e os solteiros têm destaque entre o número de proprietários de gatos. Os dados mostram que cães geralmente são comprados ou recebidos como presente, e os gatos são adotados em quase 50% das vezes. Os cachorreiros acham seus companheiros afetivos, animais que não guardam mágoa e que fazem parte do ideal de uma família feliz. Já os cat lovers, os gateiros, consideram seus animais mais independentes, higiênicos e econômicos, diz o levantamento.
Em comum, todos reconhecem que ter um pet em casa é sinônimo de conforto emocional: faz bem cuidar e se sentir amado pelos animais.
– O Bolt é muito dócil e tranquilo. Nós ficamos muito felizes quando o ganhamos. E ele faz tão bem para as crianças. É um cachorro muito família. Um amor. E está em busca de namorada – elogia Eloise, sem perder a oportunidade de fazer o anúncio.
Ter um cachorro já era um desejo antigo das meninas da família. Victoria e Helena passavam dias na casa do tio, em Belém, e ficavam “alucinadas” com o cachorro dele, como conta a mãe. Em mais de um fim de férias, quiseram dar um sumiço no animal e colocá-lo no avião para trazê-lo com elas. Assim, quando Bolt chegou de presente, logo assumiu o posto de parte da família.
O sentimento de acolhimento familiar é o mesmo que se repete entre quase todos os donos de pets: de acordo com a pesquisa, 70% dos proprietários consideram seus animais filhos ou integrantes da família.
Mas há alguns limites nesta relação. Entre eles, os espaços frequentados na casa. A caminha de Bolt está posicionada em um canto quentinho da sala. É lá que ele dorme, como cerca de 22% dos cães que vivem dentro de casa. Não pode dormir no quarto das crianças. Está “grandinho demais” para isso.
Já nos vizinhos dos Delavi, quem manda e desmanda é Luck, que completou um ano em abril ao sabor de um belo bolinho de carne – com direito a vela e fotos. Logo que o bicho entrou pela porta, quem assumiu a “maternidade” do yorkshire foi Júlia, oito anos. Como não ficaria para trás assim tão fácil, o irmão dela, Pedro, dois anos, não se demorou para proclamar:
– Então, eu sou o pai.
Aí, sobraram os papéis de avô e avó para o advogado André Barcellos e a contadora Cristine Anversa, pais das crianças. E como na casa dos avós sempre sobra mordomia – “e ele também é pequenininho”, argumentam os donos –, Luck pode, sim, dormir no quarto, direito permitido a cães de 48% dos entrevistados pelo Ibope. Se está muito frio, pode até mesmo roncar na cama de Júlia.
– Ele ajudou muito no desenvolvimento das crianças em relação ao convívio social, ao tratamento dado aos outros, com carinho. E criou neles um senso de responsabilidade, porque eles precisam ajudar a cuidar, a dar banho e também limites, quando ele faz algo errado – conta Cristine.
Luck chegou à casa dos Barcellos como um presente dos pais à filha. Júlia queria há tempos ser dona de um cachorro e realizou seu sonho quando a família se mudou para uma casa. Morar em apartamento ou moradia sem área externa é empecilho para 12% das pessoas que pretendem ter um animal de estimação. A principal barreira à concretização da vontade de se ter um pet, no entanto, de acordo com a pesquisa, é o fato de ter de deixar o animal em casa sozinho durante muitas horas – missão um pouco mais simples para donos de gatos.
Marta Hübner define-se como uma “bicheira”. Foi dona de tudo quanto é tipo de bicho quando morava no Interior. E na mudança para Porto Alegre bem que tentou manter os animais por perto, mas não foi tão fácil assim. Primeiro, adquiriu um bulldog inglês, baixinho e gordinho. Mas não conseguiu dar a atenção que o cão precisava.
– Já tive cães e gatos. Então, sei que a personalidade deles é diferente. O cachorro exige uma dedicação intensa, que é mais difícil para quem mora sozinho e passa bom tempo fora de casa. Já os gatos são mais independentes, ficam tranquilos. Até porque dormem 20 horas por dia, né? – afirma, rindo da preguiça dos bichanos.
Foi por essas características que iniciou as adoções de seus três amigões (ela não os chama de filhos) – todos eles sem raça definida, assim como 45% dos gatos que tiveram os donos entrevistados pelo Ibope. Entre os cachorros, o número de animais sem raça é menor, de 14%, diz o levantamento.
Pois bem. Os três amigões de Marta: Anastácia é pretinha e veio primeiro. É mais quieta e dengosa. Annika veio depois, tem cores mescladas e é a mais velha, impõe respeito. Guri, também preto, é o mais novo e “aprontão”. Vive derrubando vasos de plantas da casa. Não à toa, “leva esporro” de Anastácia – que briga de dia, mas não dorme sem o Guri à noite. Annika, a mais velha, é quem tenta apartar os maus momentos. Bem se vê: todos os dias é a mesma novela. O enredo, para Marta, se traduz em duas palavras: conforto emocional.
– Eles trazem uma tranquilidade sem igual. São companhia. E o que costumo dizer é que eles adotam os donos, e não o contrário – diz a médica.
O número de mulheres pode ser maior entre os gateiros. E também pode haver mais casados entre os proprietários de cachorros. Mas para a veterinária Daisy Vivian, no entanto, o que realmente leva alguém a escolher entre um cão e um gato é a personalidade de cada um:
– É uma relação entre personalidades. Entre a do dono e a do pet, porque se trata de uma interação. Quem quer companhia e não muita interatividade, costuma preferir o gato. Já o cachorro interage mais e, se não recebe a atenção necessária, pode entrar em depressão. Gato é bastante amigo do dono, mas ele curte muito o ambiente. Já o cão tem o foco no dono, ideal para a pessoa que dá grande importância ao mundo dos afetos.
* Zero Hora