Antonio Molins não tem um nome conhecido, mas é uma das grandes mentes por trás do desenvolvimento de produtos e pesquisas com machine learning e mineração de dados. Aos 35 anos, o espanhol radicado em San Francisco (EUA) é movido pela curiosidade de saber como as coisas funcionam e por uma ambição para encontrar soluções.
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Começou a carreira acadêmica na Universidad Politécnica de Madri, mas mudou-se para os EUA para perseguir o sonho de trabalhar com engenharia e medicina. Lá, entrou em um dos mais renomados programas de PhD que une as duas áreas, ministrado em parceria entre Harvard e Massachussets Institute of Technology (MIT).
Sua especialidade é matemática aplicada. Por quatro anos, atuou nos bastidores das pesquisas e no desenvolvimento do sistema de recomendações da Netflix. Antes disso, foi parar entre os engravatados de Nova York. Sua missão era desenvolver um sistema dentro da Goldman Sachs que monitorava os contratos fornecidos pelos corretores do mercado financeiro durante uma das épocas mais conturbadas de Wall Street: enquanto ocorriam os protestos de 2011. "Eu era a polícia dos traders. As pessoas de fora me odiavam e as pessoas de dentro também", ele relembra com irônia.
Hoje, é vice-presidente da Miroculus, empresa que busca desenvolver dispositivos não-invasivos que podem mudar a maneira como as doenças são diagnosticadas. No começo deste mês, esteve em Porto Alegre para palestrar em um curso da Aeroli.to em parceria com a Perestroika, onde concedeu a seguinte entrevista.
Poderia contar mais sobre o seu trabalho dentro do Netflix?
Como um cientista de dados, trabalhei em alguns dos vários algoritmos (na programação, é uma sequência de instruções para um programa executar determinada tarefa). Um deles é o de recomendações. Todo mundo tem uma experiência diferente quando faz o login na Netflix. Há várias listas e cada uma delas funciona com um algoritmo. Se você entrar na Netflix à noite, provavelmente verá filmes e séries que são mais populares ou são tendência entre os usuários. Tudo é diferente para cada pessoa. Dependendo da hora e de quem você é, a página passa a ser composta de maneira totalmente distinta.
Qual desses algoritmos é o mais elaborado?
O "Porque você assistiu" é interessante. Um exemplo típico é o filme do Homem-Aranha. Se você é uma criança de 12 anos e gosta de super-heróis, o algoritmo deve mostrar outros filmes como Batman e Superman. Mas se você é um adulto de 23 anos que gosta de blockbusters, o próximo filme que o sistema mostrará não necessariamente é sobre super-heróis. Também foi criado um algoritmo de marketing, que buscava melhorar a maneira como a Netflix era vendido e como nós poderíamos entender melhor os usuários. Como quem cancelava e por quê.
Isso requer quais informações sobre o usuário?
Quando entrei na empresa, eles trabalhavam com metadados, o que consiste basicamente do uso de tags (ou etiquetas). Havia um grupo de pessoas que olhavam os filmes e davam certas características como: "Esse filme é sombrio, esse é um filme anime japonês, esse tem uma protagonista forte". E assim, baseado no que as pessoas assistiam, o sistema entregava outros filmes com tags parecidas. Isso foi herdado do tempo dos DVDs, quando a Netflix funcionava entregando filmes pelo correio. Com o streaming, podemos coletar muitos dados sobre e muita informação detalhada. Você não precisa mais de metadados. Para fazer recomendações, o que é preciso é encontrar pessoas com preferências e gostos parecidos e cruzar as as escolhas para fazer recomendações baseando-se nessas informações.
Então o algoritmo faz uma grande comparação dos gostos dos usuários?
Isso é chamado de filtro colaborativo e você precisa apensas de um grande número de usuários para ele funcionar. Netflix tem mais de 70 milhões, então não é difícil encontrar pessoas similares a você. Isso é triste, porque acreditamos que somos muito especiais, mas há milhões de pessoas como você. Não se resume apenas a mostrar mais do que você já gosta, mas oferecer a melhor experiência com base em quem aquela pessoa é. Ou seja, as recomendações devem ser similares, mas não iguais.
A Netflix divulgou uma pesquisa em que dizia saber quando e em quais séries as pessoas ficavam viciadas. Isso é possível?
Não é difícil. Analisando a quantos episódios você assiste e quantos depois do primeiro você continuou a assistir. Isso é muito fácil de monitorar.
Até que ponto precisamos de algoritmos para sobreviver em meio a tanta informação?
A Netflix tem milhares de títulos, e você precisa escolher alguns. O mesmo acontece com o Facebook: você tem centenas de amigos que postam diversas vezes ao dia, seria impossível mostrar todos. O algoritmo é uma necessidade, você precisa de um filtro. Quando você modifica um algoritmo, é preciso estudar diferentes modelos. Você entrega mudanças diferentes para grupos pequenos de usuários e observa qual funciona melhor, em qual as pessoas interagem mais, ou encontram mais filmes.
Essas mudanças podem ser controversas. O Facebook fez um experimento tentando influenciar emoções que provocou desconfiança.
Deixe-me contar mais sobre o experimento. Eles poderiam filtrar mais posts que eles consideravam felizes ou filtrar mais as postagens negativas. Assim, era possível olhar para o que as pessoas postaram a partir disso. Havia uma teoria de que o Facebook estava tornando as pessoas mais infelizes, isso porque os usuários editam as próprias vidas e, como consequência, uns passavam a se comparar com a vida editada de outros e isso os tornaria mais tristes. Se fosse verdade, as pessoas que vissem mais postagens felizes publicariam mais coisas tristes, mas isso nunca aconteceu. Aconteceu ao contrário. Todas as pesquisas que o Facebook já publicou, essa, especialmente, foram um fiasco em termos de imagem e relações públicas.
Qual é o limite ético para submeter as pessoas a esses tipos de testes sem que elas saibam?
Você está usando um produto gratuitamente, e eles estão tentando melhorar aquele produto, então qual é o problema?
As empresas não deveriam ser mais transparentes?
Não, isso afetaria o resultado dos testes e invalidaria a pesquisa. É a mesma coisa que na medicina. Para testar se um remédio funciona você faz um teste com dois grupos. Você sabe que está participando de uma pesquisa, mas não sabe o que está recebendo. Praticamente todos os usuários da Netflix estão dentro de algum tipo de experimento. Se você não gosta da palavra "experimento", pode chamar de versão beta, ou como for. Eles não estão dando uma droga mortal, estão oferecendo uma seleção diferente de filmes, mas há certas coisas que nunca fariam. A Netflix nunca entregaria alguns títulos para algumas pessoas e não para outras. Os usuários pagam, então eles têm o direito de receber.
Qual algoritmo é mais assustador em termos de monitoramento?
O dos anúncios. É insano como eles monitoram as pessoas. Os anúncios de Facebook são muito bem direcionados porque a empresa tem muitas informações precisas sobre você. Há uma empresa que instala pequenos programas no celular e eles podem ouvir o que você fala.Não sei se isso é bom ou ruim. Tudo depende da troca que você está disposto a fazer entre privacidade e utilidade.
O que você acha da bolha ideológica (chamada em inglês de filter bubble)?
Há bons artigos sobre isso. Geralmente você está conectado a outras pessoas que são similares a você. Nos EUA, o canal Fox é bastante conservador, e se você é um espectador, as pessoas ao seu redor provavelmente estarão debatendo as mesmas notícias que você. O que alguns estudos provam é que a informação é transmitida para as pessoas independentemente de serem compatíveis com sua opinião. Eu recebo muitas coisas, de certa forma interessantes, que geralmente não optaria por receber. Acredito que haja uma filter bubble, mas é também uma decisão pessoal. Se você quer escutar apenas aquilo no que acredita, você vai encontrar uma maneira de fazer isso. Mas isso não é a tecnologia, é a natureza humana.
Algoritmos podem mudar gostos e percepções?
Quando você vai a uma livraria, você olha todos os livros? Não, as lojas têm um lugar específico para os 10 mais vendidos, por exemplo. Quando você liga o rádio, você não escuta todas as músicas já produzidas no mundo, mas provavelmente uma seleção das 40 mais ouvidas. Se você acha que pode fazer uma seleção melhor, vai até o Pitchfork (site especializado em críticas musicais). Mas você está sempre dependendo de outra pessoa que também depende de um outro agregador. Sempre houve uma curadoria por trás. Algoritmos como o da Netflix ou da Amazon são melhores porque são construídos por meio das preferências das pessoas, ao invés de ter um expert impondo o seu gosto pessoal a outros.
O uso dos algoritmos e da inteligência artificial pode reformular todo o mercado de trabalho. Alguns empregos vão se tornar obsoletos?
Acredito que os empregos vão mudar, mas isso não vai tornar nosso trabalho redundante. Computadores são muito bons para tarefas repetitivas e análise de grandes quantidades de dados, mas não têm o nosso bom senso. Alguns tipos de empregos talvez desapareçam, mas isso não é necessariamente ruim. Se os robôs são melhores e mais rápidos para encontrar e carregar caixas dentro de uma fábrica, outras pessoas podem deixar de fazer aquilo para fazer um trabalho mais gratificante.
Na Miroculus, vocês estão trabalhando em dispositivos para diagnóstico precoce de câncer. Quando isso vai estar disponível para o público?
Depende de quão bons serão os resultados dos nossos estudos. Nosso maior interesse é em países subdesenvolvidos e onde as estatísticas de câncer de estômago são mais altas. Se o médico suspeita que um paciente tem câncer de estômago, ele é enviado para uma endoscopia e a maioria não tem absolutamente nada. Ou seja, muitas pessoas sem câncer têm de passar por esse exame que é caro e nada confortável. O que queremos fazer é delimitar melhor quem precisa fazer os exames. O dispositivo deve ser de fácil manuseio, acessível e portátil. Estamos estudando um preço de US$ 100 por unidade. Ele funciona basicamente com uma amostra de sangue. Nossa estimativa é que em um ano possamos pedir as permissões regulatórias.
O que as máquinas poderão fazer no futuro?
Não sabemos. Em jogos como o Go, muito popular entre os coreanos, o computador já aprendeu a ganhar dos melhores. O computador começa a aprender com humanos e depois passa a ensinar a si mesmo. Para fazer isso há diferentes algoritmos, e um deles é o que diz qual seria a próxima jogada mais promissora. Como ele escolhe a próxima jogada, seria muito parecido a algo que os humanos têm: intuição.
Você já trabalhou com economia, entretenimento e agora com saúde. Em qual área há potencial para grandes projetos envolvendo algoritmos? A educação, talvez?
Educação e saúde são as áreas em que eu acredito que há muito a ser feito, especialmente para democratizá-las. E acredito que ainda não há gente o suficiente fazendo algo por essas áreas. Com todo respeito a especialistas em marketing, mas não acredito que o mundo precisa de mais deles. Precisamos de melhor acesso à educação e à saúde. Mas as grandes mentes da nossa geração querem trabalhar em áreas que não necessariamente teriam um grande impacto no mundo.
E como mudar essa cultura? Principalmente com as crianças?
Eu acredito que a diferença entre os EUA e a Espanha está nos seus ídolos. Na Espanha são jogadores de futebol, nos EUA, empreendedores. Ninguém quer ser o Cristiano Ronaldo, eles querem ser Mark Zuckerberg. Na verdade, na Espanha, as pessoas querem mesmo é trabalhar para o governo. Acho que os adultos têm de mudar a mentalidade mais do que as crianças: se você continuar falando sobre o Cristiano Ronaldo, é nele em quem elas vão se inspirar, se você falar sobre missões espaciais, elas vão querer ir à Marte.