No outro dia, caminhando pela vizinhança do Mercado Agrícola de Montevidéu, tive a atenção despertada pelo letreiro na fachada de um antigo casarão. Informava que ali estava instalada uma subestação de energia elétrica.
Fiquei admirado. Com essa solução, nossos vizinhos uruguaios haviam conservado a harmonia arquitetônica de um bairro venerável, caracterizado por uma sucessão de edificações no mesmo estilo. Ao planejar o fornecimento de eletricidade, pensaram também no bem da cidade.
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Com certo desgosto, vi meu pensamento se dirigir naquele instante à nossa Porto Alegre e se fixar no caixotão de concreto inaugurado em 2014 entre as avenidas Edvaldo Pereira Paiva e Padre Cacique, nas imediações do Beira-Rio, para servir como subestação da CEEE.
Estamos todos habituados a ouvir e repetir que a capital gaúcha destrata sua orla, e os exemplos citados são sempre o Cais Mauá e o trecho, agora em obras, entre o Gasômetro e a Rótula das Cuias, mas nada é tão emblemático como o que fizemos com o entorno do complexo colorado.
Aquele amplo e belo espaço ao largo do Guaíba, com o estádio em uma ponta e a Fundação Iberê Camargo na outra, oferecia condições incomparáveis para se tornar uma das zonas mais convidativas e humanas da cidade. Em lugar disso, o que temos ali é um exercício de obtusidade urbanística. Na beira do rio, o espaço mais nobre que se pode conceber em Porto Alegre, duplicamos dois avenidões paralelos, levantamos um edifício garagem, erigimos um viaduto e, para coroar, construímos uma hedionda subestação de energia. O que se pode dizer dos planejadores de uma cidade que faz isso com sua orla?
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O resultado atenta contra o be-a-bá das cartilhas de urbanismo. É uma zona inóspita, que desestimula as caminhadas, desfavorece o permanecer, expulsa o ser humano. Foi transformada em área de passagem de veículos, essencialmente um não-lugar. Desprezou-se ali a escala humana, a profusão de detalhes ao nível dos olhos, o aconchego de espaços com funções e configurações variadas, a facilidade dos trajetos a pé - justamente aquelas características que viajamos milhares de quilômetros para admirar em euro ou dólar, e que seria tão simples reproduzir aqui.
Desconfio que aridez urbana de Porto Alegre não seja consequência de falta de recursos financeiros, de entraves burocráticos ou mesmo de insegurança pública (antes o inverso, já que renovamos diariamente nossa entusiasmada opção por uma arquitetura geradora de insegurança).
Talvez o problema de Porto Alegre seja não entender como uma cidade funciona.