Tempos de fartura na economia e contas bancárias bem guarnecidas impulsionaram as festas glamourosas e de produções impecáveis no Brasil. Em 2014, casamentos, aniversários de um ano, debutes e formaturas movimentaram quase R$ 17 bilhões, conforme a Associação Brasileira de Eventos Sociais. A obsessão pelas celebrações prossegue, mas a produção... Quanta diferença.
- Embora ninguém esteja disposto a abrir mão de uma festa que planeja há anos, o pedido por descontos virou regra - explica Luciane Pacheco, diretora-secretária da seção gaúcha da Associação Brasileira de Empresas de Eventos (Abeoc).
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Depois de receberem um orçamento, os clientes têm batido o pé por redução de 15% a 20% nos preços. Corta-se principalmente nos bufês - substituindo jantares sofisticados por brunch ou festival de crepes -, nas decorações e, agora, na lista de convidados, que está ficando mais enxuta.
- As empresas de eventos têm se obrigado a renegociar com fornecedores e cortar custos de operações. É uma nova realidade para um setor que vinha crescendo muito nos últimos anos - diz Luciane.
Sammia Fabiana Ferreira Vilela, criadora do site casandosemgrana.com.br, percebe que a crise deixou mais criteriosos os noivos das classes B e C, enquanto os da A continuam gastando sem moderação. Tornou-se muito comum aprofundar a pesquisa entre produtoras e até reunir a família para dividir tarefas como decoração, confecção de vestido e fotos e vídeo.
- Em vez de fazer um megajantar para 300 pessoas em um salão luxuoso, parte dos noivos prefere um lanche ao ar livre para amigos e parentes mais próximos - exemplifica.
Deixar de lado alguns requintes que não sacrifiquem o principal pode trazer economia de pelo menos 30% em relação aos preços habituais das produtoras, garante Sammia. Em alguns casos, a redução no custo pode até ser maior.
Na riqueza e... no aperto
Há 10 anos juntos, a gestora financeira Rafaela Rodrigues Gonçalves e o músico Evandro dos Santos Vargas se assustaram quando começaram a levantar preços para efetivamente trocar alianças: de R$ 30 mil a R$ 40 mil. Só o vestido de noiva custaria R$ 2,6 mil.
- Não fazia sentido gastar o preço de um carro zero para fazer uma festa de casamento. Decidimos cortar tudo o que fosse possível - diz Rafaela, 23 anos.
A primeira decisão foi levar a cerimônia, marcada para dezembro, de Porto Alegre para Alegrete, onde vivem os familiares de ambos e os preços de locação de espaço, decoração e bufê são bem mais baixos do que em Porto Alegre, garante a noiva. Até o vestido vai ser feito na cidade da Região Oeste, onde a costureira ofereceu um preço mais sedutor.
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A segunda ideia foi fazer a festa em uma terça-feira.
- É surpreendente como baixa tudo no meio de semana. Até o fotógrafo vai sair por um terço do valor que custaria em uma sexta ou sábado - conta Rafaela.
Os convites, que costumam custar de R$ 6 a R$ 14 cada, serão feitos pelo próprio casal, a um valor irrisório. A internet também serviu de aliada. Para a celebração, muitos dos acessórios de decoração e itens descartáveis (como toalhas de mesa) foram importados da China - nos bons tempos em que o dólar ainda se comportava abaixo dos R$ 3.
O saldo do planejamento todo: a festa para 60 pessoas sairá ao preço de R$ 6 mil, 20% menos do que o primeiro valor orçado.
O casamento de Rafaela e Evandro
Esforço em família para o primeiro aniversário de Zion
Franciele e Artur decidiram comemorar o primeiro ano do filho em casa e reduziram a lista de convidados de cem para 30
Por muito tempo, as festinhas de um ano foram feitas nas salas ou nos pátios das próprias casas, mas, em razão do encolhimento dos apartamentos e da multiplicação de organizadores de festas infantis, migraram para salões e casas especializadas. Com o aperto nas finanças, parte das famílias está reavivando a tradição da comemoração caseira.
Depois de ter deixado o emprego para acompanhar de perto o crescimento do filho Zion, Franciele Hedler, 23 anos, sonhava em armar a celebração de um aninho em um salão espaçoso, colorido, cheio de brinquedos e animadores neste domingo. A conta espremida pela inflação impiedosa, no entanto, revela um cenário pouco amistoso para gastos fora do previsto.
- Só o salão sairia por R$ 600. E ainda teria custo com refrigerante, salgadinhos e toda a decoração. Muito pesado para nós - diz Franciele, levando em conta a renda do marido, Artur Lopes, que tem um estúdio de tatuagem na Capital.
A solução foi reunir a família e ver no que cada um poderia contribuir. Um cunhado, fotógrafo profissional, topou fazer os registros da criançada. Uma tia de Zion conseguiu reservar a área de festas de seu prédio. Para comer, a opção foi pelo churrasco, que sairá mais em conta do que salgadinhos, risotos e outras opções sofisticadas, comuns nos salões.
- As lembrancinhas eu mesma que fiz. Como tenho experiência em artesanato, montei uns aromatizantes bem enfeitados, acho que os convidados vão gostar - orgulha-se a mãe do aniversariante.
A quantidade de convidados também encolheu. Seriam cem pessoas em um plano A, mas optou-se apenas por parentes, padrinhos e amigos mais próximos, reduzindo a lista a um quinto. O charme da comemoração vai ser um enfeite de mesa com os personagens preferidos de Zion. Em uma pesquisa feita em páginas do Facebook, Franciele encontrou a armação perfeita por cerca de R$ 500, com entrega e montagem inclusas. Resolveu fazer ela mesma o enfeite.
- Paguei R$ 98 por uma decoração do tipo monte-você-mesmo. É bem fácil, e do Toy Story, que ele adora - diz a mãe do garotinho.
Festa de um aninho do filho
Para comemorar o fim da graduação, adeus à produtora
A troca do baile pelo barzinho será a principal forma da formanda economizar no festejo
No último semestre do curso de Direito, Alice Faé, 25 anos, tomou um susto quando recebeu o orçamento da produtora para a formatura: R$ 900 para a cerimônia e mais R$ 2,6 mil para o baile. A reação de espanto foi compartilhada com outros colegas, muitos vindos de famílias humildes e que concluirão os estudos graças a financiamentos estudantis e bolsas de estudo.
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Preocupados, 16 colegas reuniram-se na classe ao final de uma aula. Era preciso encontrar uma alternativa.
- A contratação de uma produtora para ajudar na formatura se tornou quase compulsória, como se não houvesse alternativa. Resolvemos nós mesmos fazer o evento - diz Alice.
Assim, começou a se alinhar a organização da formatura que vai ocorrer em janeiro de 2016 na PUCRS. A decisão incomum encontrou resistência de alguns colegas de outras turmas, que preferiram seguir o script e contratar ajuda.
O grupo de Alice vai se formar em um salão menor, e cada bacharel gastará menos de 10% nos preparativos em relação ao orçamento inicial. Os convites serão feitos pela irmã de um dos formandos, que é designer. Um fotógrafo foi contratado por valor simbólico - e fará apenas fotos, já que o vídeo foi dispensado.
- A toga, o DJ e toda preparação é fornecida pela própria universidade. Vamos ter o mesmo evento gastando bem menos - celebra a formanda.
No lugar do baile, os alunos combinaram de levar seus convidados para alguns bares na Cidade Baixa. Alguns até reservaram mesas em um animado boteco da Rua Lima e Silva. Querem fazer um evento no formato "cada um paga o seu". Outra hipótese é deixar acertado com o dono alguns canecos de chope e uma rodada de petiscos para os convidados - por conta do formando - e os convidados ficam com a valor dos pedidos extras. Se não é um requinte, a celebração no bar é uma pechincha: não custará mais do que R$ 200 para cada um que celebra o fim da graduação.
- Na ponta do lápis, vou economizar um mês de aluguel organizando minha formatura - diz Alice.
A formatura de Alice
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O repórter Erik Farina produzirá as matérias da série Encare a Crise.