Na semana em que Caitlyn Jenner foi apresentada ao mundo da forma mais glamourosa possível - na capa da Vanity Fair, fotografada por Annie Leibovitz - as discussões, no Brasil, são sobre uma delicada e quase tímida propaganda gay friendly de Dia dos Namorados d'O Boticário. É como se um país estivesse preparando a chegada do homem na Lua enquanto o outro aperta os parafusos do 14-Bis: etapas do mesmo processo histórico, com certeza, mas, pelas barbas de Darwin, quanta diferença.
Até o início desta semana, Caitlyn Jenner era conhecida como Bruce Jenner, 65 anos, ex-atleta olímpico, garoto-propaganda de todas as marcas macho alfa dos anos 1970 e atualmente mais conhecido como o padrasto gente boa de Kim Kardashian - além de pai de seis filhos de três casamentos diferentes. É como se Zico, ou Tarcisio Meira, ou Pedro Bia, repentinamente aparecessem na capa da revista Caras anunciando para o país que agora se chamam Suely. Até o presidente Obama saudou o gesto de Caitlyn, percebendo que os EUA estão diante de um momento histórico, não apenas para a causa LGBT em geral e dos transgêneros em particular, mas para todos que lutam por direitos civis, igualdade e tolerância. "Quando todos os americanos forem tratados da mesma forma - não importando quem são ou quem amam - nosso país será um lugar melhor", disse o presidente americano no Twitter.
A polêmica em relação ao Boticário e o duelo de "curtir" e "não curtir" que se seguiu nas redes sociais, além do recente boicote à novela Babilônia, podem ser encarados como sinais de que o conservadorismo de comportamento (que nem sempre é a mesma coisa que conservadorismo político) está mais barulhento e raivoso no Brasil - não apenas no Congresso, mas no mundo em que a gente vive também, ou seja, na internet. Mas não é preciso encarar esse momento com medo ou assombro. Prefiro ver essa polêmica quase pueril como parte do processo que vai nos conduzir, em breve, para "o lado certo da História", nas palavras também de Obama.
O fato de esse embate ter se dado no terreno da publicidade, que reflete temas que já estão em pauta na sociedade, apenas confirma que o assunto já saiu do armário há muito tempo e não vai voltar lá para dentro nem com todo o choro e ranger de dentes da torcida adversária. Em tempo: pelo andar da carruagem, em breve não vão sobrar muitos produtos para o consumo de quem decidir boicotar empresas gay friendly - e nem mesmo redes sociais para reclamar.