Foi um caso de amor que começou devagarinho. Bem devagarinho, aliás. Quem viveu os anos 1990 lembra o quão lento era o carregar de uma mísera fotografia na tela do computador. Era comum digitar lá no navegador um endereço e depois ir dar uma volta até a página carregar por completo: naquela época, a multitarefa era um imperativo, já que esperar um conteúdo aparecer na tela podia gerar um certo tédio. Mas esse amor cresceu de forma rápida e avassaladora. Vinte anos e um sem número de bytes para lá e para cá depois, a internet e o tupiniquim entraram em um enlace forte e palpitante. No final de 2014, o país contabilizava mais de 120 milhões de pessoas conectadas e, pasme, esse dado cresce, em média, aos 10 milhões por ano.
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Ainda que seja apenas 60% da população brasileira conectada à internet hoje, de acordo com o analista de mercado da Nielsen Ibope José Calazans, que traduz dados relacionados à internet no Brasil há mais de uma década, esse número segue um aumento constante, com destaque para o barateamento da tecnologia de acesso, uma vez condicionado à compra de caros e complexos computadores; hoje possível através de smartphones cada vez mais baratos. Para ele, há questões regionais que regem a maneira como o número de usuários cresce. Se no Nordeste as barreiras são mais estruturais, aqui no Rio Grande do Sul o que ainda segura um espraiamento total é a cultura.
- No caso do RS, por exemplo, se percebe que a região metropolitana de Porto Alegre tem um nível de acesso comparável às regiões mais ricas no Brasil, mas, no interior, especialmente na Serra, o acesso à internet é muito baixo e não há justificativa de renda nem de educação. Lá as pessoas preferem rádio a internet, é uma questão mais cultural e diferente do resto do Brasil inteiro - avalia Calazans.
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Os números mostram que o determinante para alguém estar ou não na internet é muito mais o nível de escolaridade do que a renda familiar. Apesar do crescente número absoluto de usuários, a ex-conselheira do CGI.Br e vice-diretora do Centro Interdisciplinar de Novas Tecnologias da Educação da UFRGS, Liane Tarouco, acredita que o alto custo da conexão ainda trava a internet de chegar a todos os ambientes. Segundo ela, uma saída seria o aumento do número de hotspots, pontos de internet gratuita, para que as pessoas possam se conectar.
- Ainda que a internet móvel tenha democratizado o uso, ainda é muito caro. Eu vejo nas experiencias que meus alunos fizeram que quase todos os alunos do Ensino Médio e alguns do Ensino Fundamental têm celular, mas não acessam a internet porque é caro. Então, nas escolas, especialmente nas públicas, você habilita o wifi. Porque o aluno de escola pública brasileira não tem condições de pagar o acesso. Qual a família da classe baixa que pode pagar para cada filho R$ 40 por mês para ele acessar? E ainda com o trafego limitado? - problematiza Liane.
A acadêmica lembra que o fornecimento de internet sem fio grátis para a população é comum nos Estados Unidos e na Europa e deve se tornar um ativo, não só para os governos, mas também para as marcas no ponto de vista do marketing. Empresas no mundo todo se alimentam dos dados dos usuários e, em troca, oferecem a banda para que naveguem.
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A rede mundial de computadores e a curiosidade natural do brasileiro formam um par perfeito. Desse amor, nasce inovação e, claro, muita zoeira. Conhecidos mundialmente por nosso pensamento fora da caixa, somos também apontados em diversas comunidades, como a dos gamers, como os brincalhões - nem sempre com graça - da rede.
- As sociedades que têm mais afinidade com a língua oral têm mais amor pela internet. Quanto mais oral for a população, mais eles vão reproduzir isso na internet. O Brasil é o país mais oral que eu conheço, a gente adora conversinha, humor, fofoca, a gente é especialista nisso mais que qualquer outro país. Por isso, tem essa afinidade gigantesca com a rede, que, apesar de ter a linguagem escrita, usa uma linguagem de característica oral - explica Bia Granja, criadora do youPix, empreendedora e estudiosa da rede.
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No gráfico presente nesta matéria, é possível identificar dois booms de crescimento no número de usuários da internet: um em 2004 e outro em 2007. Não há coincidências. Bia Granja está apoiada em números quando diz que é a conversa que chama o brasileiro para a web. Em 2004, o surgimento da rede social Orkut encantou os brasileiros - e os levou a navegar. Como nossa conexão é de menor qualidade que em outros países, a leveza do site e a facilidade do uso fizeram com que rapidamente fossemos a maior nação naquele ambiente roxo e rosa. Já o segundo boom, em 2007, foi provocado, garante Calazans, por questões econômicas. O maior poder aquisitivo da classe C fez com que essas pessoas entrassem de vez na conversa. Conversa essa, aliás, que chama a atenção pela horizontalidade.
Se no início a rede foi controlada pelas grandes empresas - como é possível comprovar na lista dos primeiros domínios registrados no país, a partir de 1989 -, depois de 1996, a internet possibilitou que indivíduos produzissem conteúdos que poderiam ser vistos por gente do mundo inteiro. Atraído por esse alcance e pela liberdade editorial do "faça você mesmo", o jornalista e humorista Rafinha Bastos foi um dos pioneiros nessa barca - que se revelou nada furada. Mais que o conteúdo em si, Rafinha conta que queria exercitar a edição não-linear (feita em computador) de vídeos. Quando viu que conseguia atingir gente da Eslovênia ao Japão, além, é claro, de milhares de conterrâneos, decidiu investir.
- A internet é o veículo mais honesto que tem, porque as pessoas querem te conhecer. Você tem acesso a elas e elas a você sem intermediários. Resta também a você impor os limites. Tem milhões de coisas que eu seguro, tenho um leve controle sobre o que eu publico. Mas, ao mesmo tempo, é um muito mais aberto, com mais possibilidade de ser você - comenta o jornalista, ao explicar os motivos pelos quais acredita ter um público tão fiel na rede.