Está faltando uma peça para aquele toca-discos que já saiu de linha? Quer muito um case para seu celular e não encontra em lugar nenhum? Ou que tal tornar realidade um brinquedo que só existe na cabeça do seu filho? Tudo isso é possível com a impressão 3D, que permite materializar em casa objetos concebidos no computador.
Cada vez mais acessíveis e versáteis, as impressoras 3D surgiram com o objetivo de dar aos usuários mais autonomia na criação de itens - tanto fundamentais quanto supérfluos -, e para permitir a personalização de roupas, objetos de decoração, peças de eletrodomésticos, e o que você imaginar.
Essa inovação hoje tem seu uso mais difundido, e a área médica é uma das principais beneficiadas. Os cientistas já conseguiram criar até órgãos complexos nessas máquinas, e acreditam que, graças a elas, estamos a caminho de um futuro em que transplantes não serão mais necessários.
Muitos daqueles que adquirem uma impressora 3D buscam uma independência que, vislumbram, logo vai conquistar um número muito maior de usuários do que o atual. Ainda são relativamente poucos os corajosos que se aventuram nesse mundo.
Em geral, eles venceram dois medos que afastam novos consumidores: a dificuldade de operar essas máquinas e o preço. O primeiro tem sido suavizado pelo engajamento dos adeptos, que se apressam em divulgar cada nova descoberta; já o valor, seguindo a regra, deve cair quando mais pessoas sucumbirem à vontade de criar objetos "do nada".
Ainda assim, nunca antes o mercado esteve tão receptivo e o público tão interessado em impressão 3D. É o que garante Júlio Cesar Drescher, sócio-diretor da Cliever, uma empresa fundada em Porto Alegre que começou a vender essas máquinas em meados de 2012.
O preço é salgado, e ainda assim está entre os menores do Brasil: cada uma custa R$ 4,5 mil, e Drescher acredita que haja mais de 350 modelos em operação em todo o país.
Pesquisas médicas animam cientistas
Chegará o dia em que não será mais preciso comprar roupas, itens de decoração ou instrumentos musicais? Ainda é cedo para tanto, mas iniciativas de engajados em desenvolver e produzir objetos por conta própria têm se espalhado pela internet.
E, enquanto muitos vão descobrindo do conforto de casa como materializar suas ideias, a medicina vem aplicando de maneira surpreendente os princípios da impressão 3D.
Para além do benefício imediato de criar objetos para a casa, médicos estão criando tecidos vivos, capazes de se adequar ao corpo humano e salvar vidas. Órgãos tão complexos como o coração estão sendo impressos - muito graças ao trabalho pioneiro do russo Vladimir Mironov, que trabalha no Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer (CTI), em Campinas. Ele crê que essa prática vai deixar o campo dos testes e se tornar realidade por volta de 2030.
- O transplante será eliminado de uma vez por todas. O problema urgente e não solucionado da escassez de órgãos será eliminado. Neste momento, 120 mil pacientes esperam por um rim nos EUA, e o número de doadores vem diminuindo drasticamente - alerta, comparando-se aos pintores impressionistas:
- Sou um pontilista no espaço 3D.
Da indústria para o ambiente doméstico, aqueles envolvidos na criação dessas máquinas acreditam que, em alguns anos, cada pessoa vai ter uma impressora 3D em casa. O sócio-diretor da Cliever cita a popularização dos computadores pessoais e mesmo das (antigas) impressoras para garantir que isso vai acontecer em breve. E esse uso deve surgir aliado à evolução de suas aplicações na medicina.
- Eliminamos o crime, tornamos as pessoas saudáveis, reduzimos o custo da assistência médica e criamos uma indústria de US$ 25 bilhões. É um cenário em que todos saem ganhando - defende o médico Mironov, acrescentando que uma "grande empresa" brasileira já espia o seu método "instantâneo" anticalvície, o Capilinser, como um Santo Graal da indústria farmacêutica.
Como funciona
As impressoras 3D variam em modelo, preço e forma de produção, mas todas têm um conceito em comum: criam objetos por meio da adição de materiais em camadas, até que o desenho desejado fique pronto. É como imprimir em duas dimensões, mas no lugar de papel e tinta, materiais que podem ir desde plástico (principalmente para uso doméstico) até metais, resinas e cerâmica; em vez da folha colorida, sai um objeto em três dimensões.
Imagine um bolo com muitas camadas, sendo criado pedaço por pedaço, desde o início, até que o todo esteja montado. O procedimento depende do objeto que vai ser impresso. Em geral, o material é derretido (no caso do plástico, por exemplo) e aplicado por bicos de extrusão até formar o objeto tridimensional.
Aquelas que fazem comida trocam esses materiais pelos ingredientes típicos. Para fazer uma pizza, por exemplo, os bicos distribuem as quantidades adequadas de farinha, queijo, tomate, orégano e o que mais de desejar. Dependendo do uso, também muda o tamanho do dispositivo. Impressoras industriais podem ter o tamanho de armários, enquanto aquelas para uso pessoal podem ser portáteis.
Para vestir
Se os biquínis do armário ficaram repetitivos, imprima uma peça nova. O primeiro modelo foi lançado ainda em 2011 pela Continuum Fashion em colaboração com os especialistas em impressão da Shapeways. O material utilizado, o nylon 12, é impermeável, resistente, flexível e imprimível a uma espessura incrível de 0,7 mm.
O mercado feminino também está bem servido de calçados: a designer Pauline Van Dongen, por exemplo, ostenta vasto catálogo de sapatos de salto alto impressos. Já a Matter.io, startup do Massachussetts Institute of Technology, lançou uma linha de joias que podem ser desenhadas e impressas em prata ou plástico. Na Itália, a designer Maria Jennifer Carew anunciou uma coleção de pingentes minimalistas - todos saídos de impressoras 3D.
Para morar
Impressoras com 10 metros de largura fizeram as casas
Foto: WinSun/ Divulgação
Na University of Southern California, nos EUA, um equipamento gigantesco foi desenvolvido para dar conta da fabricação de casas. Também está no ramo da impressão de cimento a holandesa KamerMaker, e no mês passado os chineses surpreenderam o mundo ao imprimir 10 casas em menos de 24 horas. Para cumprir a empreitada, a empresa WinSun usou quatro impressoras com 10 metros de largura e 6,6 metros de altura cada.
Para curar
Pioneiro da impressão 3D de tecidos vivos, o russo Vladimir Mironov sonha com a impressão de órgãos complexos, como o coração e o rim. O cientista ajudou a desenvolver em uma universidade em Campinas, o Tamanduarm, braço robótico que promete imprimir células no corpo do paciente.
Prótese feita para um menino
Foto: Makerbot/ Divulgação
A técnica, que promete extinguir a calvície e agilizar o tratamento de queimaduras, não irrita o sistema imunológico ao usar células da própria pessoa. A partir de uma patente de Mironov, a empresa californiana Organovo atingiu em junho do ano passado a casa do bilhão no mercado de ações.
Enquanto a tecnologia aprende a lidar com matéria orgânica, diversas pessoas se beneficiam com projetos de impressão de próteses para substituir partes do corpo como orelhas, mãos e braços (a da foto acima é uma prótese feita pela Makerbot para o menino Liam). Para a impressão de orelhas, usa-se um molde que é preenchido por células vivas, num processo já dominado pelas universidades americanas de Princeton e Cornell, além da chinesa Hangzhou Dianzi.
Para andar
Em fevereiro, uma bicicleta de titânio roubou a cena no London Bike Show. Era a primeira magrela impressa em 3D, resultado de uma parceria entre a Empire Cycles e a firma de engenharia Renishaw.
O design do carro EDAG Genesis foi apresentado um mês depois, em março, no Salão do Automóvel de Genebra. Por enquanto, não passa de ficção científica, e a impressão 3D deve seguir por algum tempo restrita a partes de veículos e aeronaves.
Para quem não quer esperar, vale imprimir os modelos de carros "convencionais" disponibilizados pelas montadoras. A Honda lançou um hotsite em que o usuário pode baixar designs, modificá-los e compartilhar o resultado na rede.
Para comer
Num dos grandes acontecimentos da ciência no ano passado, o primeiro hambúrguer cultivado a partir de células-tronco bovinas foi degustado em um laboratório em Londres. Como foi feita? Com fios compostos por cerca de 20 mil proteínas entrelaçadas.
A distância disso para a impressão 3D não é tão grande, conforme atestam diversas iniciativas menos ambiciosas. O mais comum é imprimir açúcar, feito que é relatado e ensinado por internautas desde 2007.
Quiche de espinafre de impressora 3D
Foto: Natural Machines/ Divulgação
A empresa 3D Systems se juntou à Hersheys para imprimir chocolate. Impressoras domésticas também ajudam em receitas, como esses quiches em forma de dinossauro da Natural Machines. Há quem fale até em ração humana.
Para tocar
A empresa Cubify imprime violões e justifica: a madeira boa para fazer instrumentos está rareando. Flautistas também estão ganhando versões impressas de seu instrumento. A novidade se estende aos meios de registro e reprodução: no fim do ano passado, o líder da banda britânica Bloc Party lançou com o cantor Bobbie Gordon a faixa "Down Boy" impressa em um disco. A técnica, inventada pela pesquisadora americana Amanda Ghassaei, decepciona ouvidos mais exigentes, contendo apenas uma faixa mono.
Revolução tridimensional
Veja como funcionam as impressoras 3D
Para entusiastas, assim como aconteceu com PCs e celulares, essas máquinas entrarão de vez nas nossas vidas
Guilherme Justino
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