DAKAR, Senegal – De pé em seu espaçoso quarto com paredes de cor verde menta, a estrela do mundo da arte Kehinde Wiley parece uma criança louca para deixar escapar a surpresa que tem guardado a sete chaves.
Tudo no Black Rock, seu novo espaço que serve de estúdio e residência de artistas em Dakar, é fabuloso, claro. A porta de entrada de seis metros de altura de madeira, as janelas que vão do chão ao teto, a piscina com borda infinita, a sauna, os roupões de banho e os despertadores que trazem a insígnia dourada de Black Rock, o jardim exuberante de uma região sob o Saara.
Wiley abre a porta do banheiro. "É tão grande quanto um apartamento de Nova York", anunciou.
De fato, é.
Mas o que ele está realmente animado para mostrar – "a estrela do show" – é o chuveiro. Ele é cercado por pedras cor de alcaçuz escolhidas na praia, tem um rebatedor de vento ocupando um lado inteiro, da cintura para cima, e é aberto para as ondas que batem embaixo.
Isso faz parte do clima "abandono imprudente", como ele chama, o encontro entre o interior e o exterior. A experiência Black Rock. "Um artista pode vir aqui e ter uma experiência que é tanto de trabalho como de rigor. Mas também acredito que é possível mimar o artista e fazer com que se sinta respeitado como pensador e parte constituinte da cultura", esclareceu.
Wiley, de 42 anos, que foi lançado ao estrelato após pintar o retrato do presidente Barack Obama para a Casa Branca, está oficialmente abrindo sua residência para artistas visuais, escritores e cineastas no ponto mais ocidental da África continental.
O estúdio impõe um contraste chocante com a vizinhança, onde famílias em situação muito difícil vivem em casas de concreto sem pintura, mas é uma demonstração de talento, de onde quer que se olhe.
O local foi projetado pelo arquiteto senegalês Abib Djenne. Aissa Dione, uma designer têxtil local, ajudou a conceber a decoração interior. O escultor Ousmane Gueye criou uma grande mesa de vidro apoiada sobre pedras pretas, que precisaram ser tiradas da praia por um guindaste. Há peças de Soly Cissé, artista senegalês, e uma pintura de Ngimbi Luve, artista congolês, apenas para citar alguns nomes.
A residência de Wiley não é apenas para pintores como ele. Ele quer abrigar escritores que ocuparão mesas com vista para o mar e que poderão buscar inspiração no trabalho de outros residentes. Ele vislumbra misturar os artistas com um chef itinerante que testará novas receitas em uma cozinha subterrânea. Os residentes vão morar em três torres de apartamentos adjacentes. Mais de 700 se inscreveram.
Wiley, nascido de pai nigeriano e mãe afro-americana, também marcará presença em Black Rock, entre outros eventos, trabalhando por alguns meses no novo estúdio que, em parte, está localizado no subsolo do outro lado do corredor que leva à sauna.
Recentemente, em Black Rock, começou a abrir as portas e exibir o novo estúdio, mas o administrador acenou para que não entrasse. O quarto ainda continha pilhas de provisões usadas para a festa de inauguração de Wiley. Ele chama o lugar de "um trabalho em andamento".
"Quando você olhar para esse espaço, verá materiais naturais do Senegal. Todas as fotografias [imagens do Senegal ainda não penduradas] são do artista afro-americano Dwayne Rodgers. Nós as imprimimos em Nova York e enviamos para cá. Foi dramático, mas conseguimos", descreveu.
Veja, a seguir, alguns trechos editados da nossa conversa:
P: Tudo parece um pouco dramático aqui.
R: (Risos.) Eu sei. Sabe essa porta [aponta para uma porta de seis metros]? Quando estava trabalhando com o arquiteto, tivemos uma conversa sobre a Ilha de Gorée [antigo centro do comércio de escravos do Atlântico] e a "Porta do Não Retorno". A ideia, de maneira bastante dramática, é que essa seja a porta do retorno – simbolicamente significa a abertura da África.
P: Por que Dakar?
R: Vim para cá com 19 anos. Minha mãe e meu pai se separaram antes de eu nascer. Cresci em Los Angeles com minha mãe. Naquela época, a Air Afrique tinha voos para a Nigéria com escala em Dakar, por isso minha primeira experiência na África foi aqui. Fiz muitos amigos senegaleses nos Estados Unidos. Entre eles, Boubacar Kone, que tinha casado com a atriz C. C. H. Pounder – ele morreu. Eles tinham um museu particular aqui. Ofereciam apoio a artistas e uma residência para artistas. Portanto, meu engajamento com esse lugar vem de longa data.
P: Você tem dois retratos na National Portrait Gallery, incluindo uma de LL Cool J. Como sua vida mudou desde a pintura do presidente Obama?
Acho que esse é o fio condutor da minha vida: você se joga em momentos de medo e, do outro lado – se você sobrevive –, estão as recompensas.
KEHINDE WILEY
pintor
R: Profissionalmente, muitas portas se abriram. Ao mesmo tempo, precisei me empenhar mais para não ser conhecido apenas pelo retrato presidencial. Minha última exposição em Paris [uma série de pinturas e uma videoinstalação baseadas em uma temporada no Taiti para estudar a comunidade local Mahu, que se classifica como terceiro gênero com características de ambos os sexos] foi um grande salto para mim de muitas maneiras – mas talvez não. Há anos sou obcecado por Gauguin. Eu queria criar uma conversa sobre gênero através dos tempos, sobre a história da pintura e sobre os corpos pardos do Pacífico. Também pensei que seria possivelmente minha mostra menos bem-sucedida, porque não trazia o trabalho pelo qual o público me conhece. Adrenalina e medo foram os combustíveis dessa exposição. Isso é provavelmente o motivo de ter sido tão bem-sucedida. Acho que esse é o fio condutor da minha vida: você se joga em momentos de medo e, do outro lado – se você sobrevive –, estão as recompensas.
P: Algumas de suas pinturas foram inspiradas em crianças brasileiras das favelas. Você acha possível que as ruas de Dakar tragam inspiração para seu trabalho?
R: Meu Deus, não posso esperar. Fiz uma mostra anos atrás no The Studio Museum, no Harlem, chamada "The World Stage: Africa, Lagos ~ Dakar". Aquela foi minha oportunidade de falar sobre essa identidade dupla que tenho com a África, meu caso de amor com esses dois lugares, mas também uma maneira de falar sobre cor de pele de uma maneira radicalmente diferente. Como pintor e como uma pessoa negra, como falar sobre a cor da pele sem transformá-la em fetiche ou em algo exótico, mas apenas falar sobre a maneira como a luz reflete a superfície? Agora, não apenas serei capaz de trabalhar com um grupo de artistas todos os dias, como poderei atuar ao lado da população local e convidar pessoas para serem o tema de retratos e experimentos. Quero ver este lugar como um território onde farei um trabalho que talvez nem seja visto pelo público – é a liberdade de brincar em um espaço seguro. Acredito que apenas teremos de criar uma comunidade em que um se inspire no outro e incentive o outro.
P: Como você acha que as pessoas foram favorecidas ao ficarem juntas na sua festa? Foi uma loucura, certo?
R: As fotos do Baile de Gala do Met ficaram ultrapassadas após dois dias. As pessoas ainda estão compartilhando as da minha festa. Foi como a festa do século. Ao mesmo tempo, isso é um eco do que tenho feito no Brooklyn e em Nova York. Eu não tinha ideia de que me transformaria em um artista de sucesso. Sabia que seria feliz em Nova York e, para mim, isso bastava. Foi um salto arriscado que no fim valeu a pena. É apenas uma questão de compreender, se apaixonar, fazer acontecer e criar cultura. O que acontece se, por uma noite, Dakar se transforma na cidade mais glamorosa? Isso é revolucionário. O que acontece se isso se tornar possível em muitos portos de parada na África? Já estou trabalhando na Nigéria. Isso é o que é muito legal do Black Rock. É sobre um pequeno grupo de pessoas que vai passar algum tempo aqui, mas é também uma mensagem que pode ser transmitida para o mundo.
Por Dionne Searcey