A morte do cantor e compositor Belchior, 70 anos, foi recebida com surpresa e comoção em Santa Cruz do Sul, no Vale do Rio Pardo. Autor de clássicos da música popular brasileira como Medo de Avião e Apenas um rapaz latino-americano, o cearense viveu recluso nos últimos quatro anos no município de 120 mil habitantes, onde foi encontrado sem vida pela mulher, Edna Assunção Araújo, na madrugada deste domingo.
Por decisão da família, o corpo será enterrado em Sobral, no Ceará, onde Belchior nasceu.
Leia mais:
"Foi uma honra receber Belchior na minha casa"
Relembre algumas das canções mais conhecidas de Belchior
Distante da vida pública, Belchior foi visto no Rio Grande do Sul e Uruguai
Depois de ter sido acolhido em pelo menos três endereços diferentes na região por amigos em comum, o casal morava em uma casa de dois andares no bairro Santo Inácio, zona de classe média alta cercada de mato. A maioria dos vizinhos sequer suspeitava da presença do ídolo, que voltou aos holofotes contra a vontade em 2009, ao ser flagrado no Uruguai, após anos de sumiço e de acúmulo de dívidas. Ontem, alguns ainda duvidavam da notícia.
– Se eu soubesse que ele estava aqui, já teria pedido autógrafo e me oferecido para ajudar a cuidar do jardim, mas não se via ninguém lá. A casa estava sempre fechada – conta a secretária Juliana Bender Souza, 53 anos, que mora a 50 metros do local.
Com medo de exposição, Belchior e a mulher não tinham contato com ninguém a não ser as pessoas que os acolhiam. A pedido da dupla, os hospedeiros da vez não podiam fazer fotos nem permitir a circulação de estranhos na residência. Eles também não escondiam as dificuldades financeiras e, por isso, vivam de favor. Os donos da atual morada preferem ficar no anonimato.
Em 2013, por três anos, Belchior e Edna dividiram o mesmo teto com a empresária Ingrid Trindade, 52 anos, e o professor Ubiratan Trindade, 56 anos. Os convidados chegaram até eles por indicação de um conhecido, o radialista Dogival Duarte.
– Belchior quase não saia de casa. Vivia na nossa biblioteca, lendo, escrevendo e olhando filmes. Era um poeta – recorda Ingrid, com lágrimas nos olhos.
O hóspede ilustre gostava de tomar vinho e tinha uma dieta regrada, com muito peixe e nenhuma carne vermelha. Não era chegado no mate. O casal descreve o cantor como um homem simples e de inteligência ímpar.
– Ele era um grande entendedor da natureza humana, uma pessoa que se desligou completamente das coisas materiais e do mundo externo. Era um grande filósofo. Foi uma honra recebê-lo na nossa casa – afirma Ubiratan, que nunca cobrou um centavo dos convidados.
Edna vigiava o marido com rigor e, segundo o casal, não permitia que ele cantasse para os dois, embora houvesse um violão na casa. Também evitava que Belchior ficasse sozinho com os anfitriões. Apenas uma vez a família conseguiu registrar momentos com o cantor na chácara da família na localidade de Murta, interior de Passa Sete, no Vale do Rio Pardo. Ele passava dias nessa casa, onde podia caminhar em meio ao verde.
– Houve uma vez em que ele começou a recitar um poema em latim. Comecei a chorar – lembra Ingrid.
Além desses momentos classificados como "únicos', ela e o marido guardaram um pijama que o cearense esqueceu no quarto. O sonho de Ubiratan é, um dia, poder ir pessoalmente a Sobral doar a peça para um museu em homenagem ao amigo.
*Zero Hora