Cantor e compositor ícone da resistência à ditadura militar, Belchior foi encontrado morto na madrugada de domingo, em Santa Cruz do Sul, no Vale do Rio Pardo, interior do Rio Grande do Sul. O músico não tinha problemas de saúde, estava feliz, segundo os amigos, e tinha voltado a compor. De acordo com o laudo da necropsia, ele foi vítima de uma dissecação da aorta, principal artéria do corpo humano.
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Segundo o radialista e amigo do artista, Dogival Duarte, que conversou com a mulher do cantor, Edna Assunção de Araújo, ela relatou que Belchior reclamou de frio e, após se agasalhar, foi repousar. Ainda segundo Duarte, na madrugada, Edna constatou que o marido não respondia aos seus chamados. Belchior morreu dormindo.
– Ele estava muito bem e alegre. Foi uma surpresa absoluta saber da sua morte – conta o radialista, que conversou com Belchior há cerca de um mês e já o hospedou em sua casa.
O músico estava recluso em Santa Cruz há aproximadamente quatro anos, com uma vida discreta, sequer saía de casa e muitos vizinhos não desconfiavam de sua presença no Bairro Santo Inácio, de classe-média alta. Mantinha-se com a ajuda de amigos locais – atualmente, morava em uma casa emprestada.
O diretor geral do Instituto Geral de Perícias, Cleber Müller, afirmou que a Polícia Civil esteve na casa e não verificou sinais de violência. Após passar por necropsia e coleta de material biológico em Cachoeira do Sul, o corpo seguiu para Venâncio Aires onde está sendo embalsamado para o translado até o Ceará. O velório ocorrerá em Sobral, cidade cearense em que ele nasceu.
Em nota, o governador do Estado do Ceará, Camilo Santana, decretou luto oficial de três dias no Estado:
"Recebi com profundo pesar a notícia da morte do cantor e compositor cearense Belchior. Nascido em Sobral, foi um ícone da Música Popular Brasileira e um dos primeiros cantores nordestinos de MPB a se destacar no país, com mais de 20 discos gravados. O povo cearense enaltece sua história, agradece imensamente por tudo que fez e pelo legado que deixa para a arte do nosso Ceará. Que Deus conforte a família, amigos e fãs de Belchior. O Governo do Estado decretou luto oficial de três dias."
O cantor havia completado 70 anos no último mês de outubro. Vivendo recluso, seu sumiço dos holofotes era item recorrente no imaginário popular e altamente explorado pela mídia – que o perseguia atrás de entrevistas e fotografias a cada avistamento.
Antonio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes foi um dos expoentes do que se chamou de "invasão nordestina" da música nacional nos anos 1970. Ex-estudante de Medicina, o músico trouxe, junto a artistas como Raimundo Fagner, Ednardo e Amelinha, os sons e os versos do Ceará à MPB.
Começou sua trajetória musical em 1972, com a ajuda da estrela máxima do cenário musical brasileiro à época: naquele ano, Elis Regina gravou Mucuripe, canção escrita por Fagner e Belchior. Mas foi apenas mais tarde, em 1975, que se tornou comentado como compositor, com as gravações, também de Elis, de Como Nossos Pais e Velha Roupa Colorida para o espetáculo Falso Brilhante.
Depois de lançar alguns trabalhos de repercussão, Belchior lançou o LP que tornou sua voz conhecida no Brasil – era Alucinação (1976). Completamente autoral, é considerado uma obra definitiva da música brasileira, trazendo, além das versões do compositor para Como Nossos Pais e Velha Roupa Colorida, os sucessos Apenas um Rapaz Latino-Americano, À Palo Seco e Fotografia 3x4.
Ao longo da década de 1970, lançou uma série de outros discos, como Coração Selvagem (1977), Todos os Sentidos (1978) e Era uma Vez um Homem e Seu Tempo (1979), com hits como Medo de Avião, Comentário a Respeito de John e Paralelas. Conforme a década de 1980 avançava, Belchior perdia espaço no cenário musical. Depois de álbuns menos apreciados pela crítica, deu lugar a uma nova geração. Suas apresentações, apesar do público fiel, foram se tornando mais esparsas, até que seu "sumiço" se consolidou. Era visto raras vezes, na maior parte delas no Rio Grande do Sul e no Uruguai.
*De Santa Cruz do Sul