Quando estreou nos cinemas em 1990, Lembranças de Hollywood iluminou na ficção uma face então pouco conhecida de Carrie Fisher, atriz consagrada com uma das personagens mais populares da história do cinema, a princesa Leia Organa da saga de ficção científica iniciada em 1977 com Guerra nas estrelas. Com direção de Mike Nichols, Lembranças de Hollywood teve seu roteiro escrito por Carrie, adaptando o livro Postcards from the edge, em que ela apresentava, com tintas autobiográficas, a história de uma atriz que tenta se recompor na vida após uma overdose de drogas e um período internada numa clínica de reabilitação. O filme destacou, mais do que o livro, o conflito da protagonista, vivida por Meryl Streep, com sua mãe, interpretada por Shirley MacLaine, uma veterana estrela do cinema.
Essa sombra materna pairou também sobre Carrie, que morreu nesta terça-feira aos 60 anos, quatro dias depois de sofrer um ataque cardíaco a bordo do avião que a trazia de volta de Londres para Los Angeles. Filha da atriz Debbie Reynolds (do clássico musical Cantando na chuva, 1952), hoje com 84 anos, e do cantor Eddie Fisher (1928 - 2010), Carrie cresceu íntima das turbulências que movem a indústria de celebridades – tinha três anos quando seu pai saiu de casa para se casar com uma das melhores amigas da mãe, Elizabeth Taylor.
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A instabilidade emocional e artística andaram de mãos dadas na trajetória de Carrie desde sua estreia no cinema, em Shampoo (1975), dirigida Hal Ashby e ao lado de Warren Beatty. No trabalho seguinte, o papel de Leia Organa colocou Carrie, aos 20 anos, no panteão da cultura pop. E, como não é raro ocorrer nesse meio, acabou atrelada à personagem pelo resto de sua vida, como seu colega de elenco Mark Hamill, o Luke Skywalker. Carrie voltou a viver Leia em O império contra-ataca (1980) e O retorno de jedi (1983) e na retomada da franquia, com Star Wars: O despertar da força (2015). Antes de morrer, concluiu sua participação em Star Wars: Episode VIII, que tem previsão de estreia para dezembro de 2017.
Ainda nos anos 1980, Carrie foi vista em papéis secundário de bons filmes como Hannah e suas irmãs (1986), de Woody Allen, e Harry & Sally: Feitos um para o outro (1989), de Rob Reiner. Contracenou ainda com Tom Hanks na comédia Meus vizinhos são um terror (1989), de Joe Dante. Nessa época, viu seu livro, lançado em 1987, tornar-se um sucesso de vendas com as revelações sobre a dependência de drogas e o problemático relacionamento com sua mãe. A carreira de Carrie no cinema seguiu discreta até sua morte, enquanto a Princesa Leia, com suas tranças enroladas como fones de ouvido e a coragem e a sabedoria das grandes heroínas, seguiu onipresente como um ícone universal para diferentes gerações. Nos últimos anos, Carrie apareceu como ela mesma celebrada pelo amigos nerds do seriado The big bang theory e também no corrosivo Mapas para as estrelas (2014), filme de David Cronenberg sobre a banda podre do sonho de fama e fortuna de Hollywood.
Apaixonada por literatura, Carrie exorcizou na escrita seus fantasmas. Também era dona de um senso de humor mordaz com o qual observava a engrenagem do mundo das celebridades, o culto às aparências e própria trajetória nesse ambiente. Com frequência era chamada a colaborar nos roteiros de amigos diretores, na função conhecida como "doctor script", ajudando criar diálogos. Carrie lançou em 2008 a autobiografia Wishful drinking, também um espetáculo que apresentou nos palcos e foi adaptado pelo canal HBO em um documentário que recebeu duas indicações no prêmio Emmy. Agora em 2016, Carrie apresentou Memórias da princesa, livro no qual passa em revista os bastidores dos inesquecíveis filmes que estrelou como Princesa Leia – e confidencia que teve um affair com Harrison Ford, o Han Solo, então casado, quando fizerem o primeiro longa da trilogia clássica.
Carrie passou a falar abertamente sobre seu transtorno de bipolaridade, vício em drogas e remédios, automedicação e tratamentos clínicos que encarou, como forma de apoiar e incentivar as pessoas com problemas emocionais a buscar ajuda especializada. Em reconhecimento a seu ativismo nesse campo, ela recebeu agora em 2016 da Universidade de Harvard um prêmio em razão de seu "humanismo cultural" e por falar com "franqueza sobre o vício e a doença mental que fizeram avançar o discurso público sobre essas questões com criatividade e empatia". O IMDb, principal banco de dados de cinema na internet, indica que, após Star wars: Episode VIII, Carrie estava filmando Wonderwell, de Vlad Marsavin, uma fantasia juvenil com locações na Toscana, na Itália, e lançamento previsto para 2017.