Por decisão liminar, o vereador de Porto Alegre Ramiro Rosário (PSDB) e dois portais de internet foram obrigados a retirar do ar postagens e conteúdos que afirmam que foi identificada a presença de agrotóxicos no arroz orgânico produzido pelo Movimento dos Sem-Terra (MST). A decisão é da juíza Fabiana Zaffari Lacerda, da 6ª Vara Cível de Porto Alegre. Também citado na decisão judicial, o vereador Silvio Roberto Flores de Almeida (PP), de Nova Santa Rita, que encomendou o estudo à UFSM, garante que não fez qualquer post sobre o assunto.
As publicações tomam por base a interpretação do laudo de análises de duas amostras do arroz da marca Terra Livre Agroecológica, feitas pelo Laboratório de Análises de Resíduos de Pesticidas (Larp) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), a pedido do vereador de Nova Santa Rita. O órgão, no entanto, garante que Ramiro interpretou mal o laudo e que o laboratório não identificou nenhum agrotóxico no produto.
Os questionamentos começaram a aparecer nas redes sociais nos últimos dias. Ramiro, inclusive, anunciou que estava denunciando o caso ao Ministério Público Federal (MPF), alegando que o MST estaria cometendo o crime de "propaganda enganosa". O deputado estadual Felipe Camozzato (Novo) chegou a postar nas redes sociais um comentário endossando a "denúncia" do vereador, dizendo que o MST foi "pego na mentira".
Em reação, duas cooperativas de assentados da reforma agrária que produzem o arroz orgânico acionaram a Justiça para contestar o conteúdo das postagens.
Ainda na terça-feira (26), o coordenador do laboratório, professor Renato Zanella, que subscreve os laudos, emitiu nota atestando que não foram encontrados agrotóxicos nas amostras em questão. A mesma informação consta em um ofício emitido pelo Núcleo de Suporte à Produção Orgânica do Ministério da Agricultura.
À coluna, Zanella ressaltou que o Larp tem mais de 20 anos de atuação, é acreditado pelo Inmetro e segue padrões internacionais para efetuar esse tipo de análise.
— Mesmo analisando níveis bastante baixos nas duas amostras, não foi detectado nenhum resíduo de agrotóxico — frisou o professor.
Em nota oficial (leia abaixo), o Larp afirma que "buscará a adequada reparação dos danos causados" diante da repercussão do assunto.
O advogado Emiliano Maldonado, que representa a Cooperativa de Produção Agropecuária Nova Santa Rita (Coopan) e a Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da Região de Porto Alegre (Cootap) na ação judicial, diz que, com a decisão liminar, os réus não poderão manter as acusações contra os produtos.
— Além disso, já foram tomadas as medidas judiciais cabíveis no âmbito criminal para que os réus sejam responsabilizados pelos crimes de calúnias e a denunciação caluniosa que proferiram contra as cooperativas. Também está sendo avaliada a gravidade dos danos econômicos sofridos, pois a propagação dessas informações nas redes sociais maculou a imagem dos produtos e já está causando perdas que deverão ser devidamente indenizadas pelos réus — diz Maldonado, do escritório MDRR Advocacia & Direitos Humanos.
O que dizem os laudos
A coluna teve acesso aos relatórios produzidos a partir das análises das duas amostras de arroz. Ambos são bastante semelhantes, e listam uma série de compostos cujos vestígios foram procurados no arroz orgânico.
Ao lado, constam dois indicadores: o LOD (Limite de detecção do método) e o LOQ ( Limite de quantificação do método). No entanto, esses valores não seriam comparáveis entre si, como dá a entender um vídeo publicado pelo vereador Ramiro Rosário nas redes sociais.
O LOD indica qual a quantidade mínima de substância na amostra para a sua identificação. Já o LOQ aponta qual seria a quantidade mínima para indicar o nível de concentração do composto na amostra.
No campo "Resultados", o laudo informa que "Compostos analisados que não constam nesta Tabela não foram detectados (≤ LOD)". No caso, nenhum dos mais de 40 compostos analisados está listado na tabela.
De acordo com o professor Renato Zanella, caso um deles tivesse sido identificado, constaria no resultado relatório com a respectiva indicação da concentração.
Vereador mantém versão
Apesar da contestação do laboratório sobre sua interpretação dos laudos, o vereador Ramiro Rosário mantém a convicção de que foi comprovada a presença de agrotóxicos nas amostras de arroz orgânico. Segundo Ramiro, a interpretação foi respaldada por técnicos com os quais conversou.
— Conversei com agrônomos, pessoas da área de análise de produtos, que atestaram que há evidências de componentes de produtos químicos vinculados aos defensivos agrícolas — afirmou.
Questionado sobre um eventual erro de avaliação do relatório, o vereador disse que o resultado da análise tornou-se "um objeto de disputa política e guerra de versões":
— Se o laudo é confuso, se o laboratório tem um laudo confuso que permite esse tipo de analise dúbia, temos aí um outro grave problema.
Parlamentar diz que não fez postagens
Autor do pedido para a análise das amostras de arroz, o vereador de Nova Santa Rita Silvio Almeida garante que não fez qualquer post nas redes sociais sobre o assunto e que sequer recebeu oficialmente o laudo das análises.
— Tenho por costume ter todas as informações em mãos para depois tomar uma atitude. Não fiz publicação nenhuma, até para tomar cuidado de não cometer um engano. Estava esperando receber o laudo do laboratório e encaminhar a um engenheiro da área para que ele pudesse me dizer se há ou não indícios de agroquímicos — explicou o parlamentar.
Os dois sites citados na decisão judicial têm como um dos coordenadores o ex-secretário do Meio Ambiente de Porto Alegre Maurício Fernandes, com quem a coluna também tenta contato.
Leia a nota do laboratório da UFSM
"O Laboratório de Análises de Resíduos e Pesticidas (LARP) da UFSM, reconhecido pelo INMETRO pela acreditação nº CRL 0627 – que confirma a eficiência do laboratório dentro de normas estabelecidas internacionalmente e garante que o mesmo atende requisitos de qualidade e segurança – vem a público esclarecer as notícias publicadas sobre recentes análises realizadas pelo laboratório.
O laboratório reitera que as amostras de arroz analisadas não contêm resíduos detectáveis de agrotóxicos, o que foi ratificado pelo Ofício Circular nº 04/2023 do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), que analisou o caso e confirmou a confiabilidade do LARP.
Considerando a gravidade das acusações e a repercussão negativa à credibilidade do LARP e da UFSM, a instituição buscará a adequada reparação dos danos causados. Reiteramos que o Laboratório pauta suas ações na ciência, de forma técnica, científica e não ideológica, e que os ataques praticados demonstram uma postura leviana, sem embasamento e totalmente desprovida de suporte comprobatório. "