O músico gaúcho Riccardo Crespo experimentou aquela que talvez seja a tragédia ambiental internacional que mais se assemelha a que estamos vivendo no Rio Grande do Sul: o desastre de New Orleans, cidade americana que ficou submersa pelas águas depois da passagem do furacão Katrina. Em 2005, ele perdeu tudo o que tinha quando os diques da metrópole da Louisiana se romperam. À época, Crespo morava em New Orleans, mas estava em uma turnê pela Europa, em Oslo (Noruega), quando o desastre se abateu sobre a cidade. Ao retornar, algumas semanas depois, o cenário era de desolação.
De volta, com a casa arrasada no Lower 9th Ward, um dos bairros mais atingidos, ele arregaçou as mangas e começou a trabalhar como voluntário na reconstrução da cidade. Ajudou a erguer, do zero, a Musician Village, área que abrigou artistas da cidade do jazz e do blues que, como Crespo, haviam perdido suas residências.
- No momento que ocorreu esse caos, entrei em contato com o governo americano Recebi cerca de mil dólares para poder sobreviver - lembra.
Algum tempo depois, Crespo engajou-se na ONG internacional Habitat for Humanity, que ajudou a organizar a reconstrução das casas.
- Eles já construíram mais de 250 mil casas pelo mundo, em locais onde houve catástrofes - conta.
Hoje, New Orleans está recuperada - e a infraestrutura de proteção, mais forte. Crespo mantém sua residência lá, mas voltou há oito anos para o Rio Grande do Sul por motivos familiares. Nesse 2024, revive parte da experiência de uma tragédia ambiental. Dessa vez, em seu próprio Estado.
- Para New Orleans, uma coisa super importante foi a questão da segurança, que ficou a cargo do exército e da marinha. Essa falta de segurança tem me assustado aqui - afirma, referindo-se aos saques frequentes nas regiões alagadas. - Isso também ocorreu em New Orleans. A primeira coisa que bandidos roubaram lá foi o supermercado.
Hoje aos 67 anos, o músico mora em uma propriedade rural da família, em Camaquã, no sul do Estado. Em setembro, chegou a ficar ilhado em decorrência da chuvarada do ano passado. Agora, a área em que a fazenda está localizada, perto da foz do Rio Camaquã na Lagoa dos Patos, foi poupada. Assim, ele tem ajudado, como voluntário, à população da Ilha de Santo Antônio, em Arambaré.
- Ficou provado que não estávamos preparados para uma tragédia como essa. Não havia manutenção de várias estruturas. O que está ocorrendo aqui é muito maior até do que em New Orleans. É só olhar o número de cidades atingidas - compara.
A últimas vez que o músico retornou à cidade americana foi e 2018. New Orleans está reformada e mais resiliente. Ele espera ver o Rio Grande do Sul mais forte a partir dessa destruição.
- Somos um povo valente, pioneiro. Olha só a solidariedade que está acontecendo aqui. Te digo: New Orleans não teve isso.
Crespo costuma dizer que seu estilo é música popular brasileira com alma gaúcha e tempero de New Orleans. E é com a experiência - e um tanto de lirismo - de quem viveu duas tragédias que afirma:
- A água significa limpeza. Percebi que, quando ela vem, é para limpar. O Katrina tirou tudo que não me pertencia. Na história, New Orleans é antes do Katrina e depois do Katrina. Vejo que o Rio Grande do Sul será muito mais diferente, para melhor, quando tudo passar.
Acima, ouça a canção que Riccardo Crespo compôs em apoio ao RS. A letra você lê aqui.