Quem quer R$ 19,4 bilhões?
Nem bem a decisão dos ministros havia repousado em algum escaninho do Supremo Tribunal Federal (STF) na segunda-feira (19), e representantes do futuro governo e líderes do centrão já estavam disputando a herança do orçamento secreto, considerado inconstitucional horas antes pelo colegiado. Em reuniões na residência oficial do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), na noite de segunda e nesta terça (20) pela manhã, ficou acertado que o valor de R$ 19,4 bilhões será dividido igualmente - R$ 9,7 bi para emendas individuais, que cada deputado e senador têm direito, e R$ 9,4 bi como recursos discricionários, que são utilizados como custeio dos ministérios. Nem houve tempo para quem chegou a cogitar que parte do montante fosse direcionado para emendas de bancada ou de comissões, que se poderia imaginar teria como destino áreas como educação, saúde, tecnologia, por exemplo. Não, o espólio do orçamento secreto irá para o governo de um lado e para os deputados e senadores de outro - as emendas individuais saltarão de R$ 19,7 milhões para R$ 36 milhões para cada congressista.
O valor também acabou rapidamente na mesa de negociação, com o Congresso de alguma forma tentando garantir que o montante, ao menos em parte, ficasse na Casa. Lira e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), se reuniram. E, nesta terça-feira, foi a vez de o presidente da Câmara se encontrar com Fernando Haddad, ministro da Fazenda indicado pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Ao menos com o segundo, o encontro foi cheio de desconfiança, depois dos dois golpes sofridos por Lira no Supremo - a decisão do ministro Gilmar Mendes de retirar do teto de gastos o Bolsa Família e o veredicto da Corte, que tornou ilegal o orçamento secreto. Nada tira da cabeça de Lira que houve o dedo do PT no voto do ministro Ricardo Lewandowski, que desequilibrou a balança favorável à revogação do mecanismo.
Desde a eleição, Lira, representante-mor do centrão, vem negociando com Lula apoio no Congresso para aprovação da PEC da Transição. Primeiro, pediu apoio do PT a sua reeleição para a Câmara, em fevereiro. Levou. Depois, exigiu o comando de pastas importantes no futuro ministério. Ainda não se sabe se vai levar. E, agora, cobiçou a herança do orçamento secreto. Ganhou em parte. Ao menos, dessa vez, sem os superpoderes conferidos pelas emendas de relator garantidas, foi obrigado a descer do Olimpo.