Aquela lhama com cara de gente na Padre Cacique, um dia me peguei olhando para aquilo. Queria entender. Trata-se de uma coisa tão inacreditavelmente estranha, que, no fundo, deve guardar uma mensagem importante. E mensagens importantes às vezes requerem esforço.
Fiquei ali parado na grama, o queixo apoiado na mão, e apertei os olhos para examinar o semblante andrógino, o olhar sereno e o traseiro mais arrebitado que já vi na minha vida. Que coisa instigante aquele traseiro da lhama, não sei se vocês já notaram.
Passei quase 10 minutos avaliando oito metros de escultura, mas fui embora frustrado. Não captei mensagem alguma, então fui ao Google pesquisar o que dizia Gustavo Nakle, autor da obra batizada de Estrela Guia II. Primeiro, que não é uma lhama, é uma ovelha – animal apontado por Nakle como "um ser pacífico e tolerante". Eu ainda pensava sobre o pacifismo das ovelhas quando outra revelação do autor me intrigou ainda mais:
– A escultura tem duas caras, uma feminina e outra masculina, simbolizando a unidade e a atenção vigilante.
Realmente, eu jamais alcançaria tal profundidade. Muito por conta da minha ignorância em relação às artes visuais, e talvez por isso eu tenha simpatizado com o tenebroso Obelisco Leonístico. Diria que me senti inteligente. O Obelisco Leonístico, vocês sabem, é aquele leão de dois metros de altura, instalado na esquina da Bento Gonçalves com a Santana, que revoltou a classe artística nos últimos dias.
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Em resumo, o Lions Clube de Porto Alegre Bento Gonçalves comprou a estátua em uma loja de enfeites para jardim, com a ideia de homenagear o próprio cinquentenário. A prefeitura, sem consultar a Comissão de Avaliação de Obras de Arte do Município, autorizou em dezembro a instalação desse enfeite de jardim como se fosse um monumento. E lá está ele, imponente e ridículo, exposto em um movimentado cruzamento da Capital.
Não estou falando mal do Obelisco Leonístico. Ele até me fez bem, em primeiro lugar porque, ao contrário da lhama que na verdade é ovelha, pude compreendê-lo de pronto. Olhei e logo vi: eis um leão. Só não entendi por que se chama Obelisco, visto que obelisco é um pilar de pedra que vai se afunilando lá em cima, mas, tudo bem, merece esse desconto.
– O conceito de belo e feio, no meu ponto de vista, é muito relativo – refletiu a presidente do Lions Clube de Porto Alegre Bento Gonçalves, responsável pela escolha da estátua, e aquilo me fez pensar.
Ela tem razão. Aos poucos, fui achando até charmoso o olhar estrábico do Obelisco Leonístico. O David Coimbra, lá de Boston, disse que a primeira coisa que fará quando vier a Porto Alegre será levar o Bernardo para conhecer a estátua do leão. E, de uns dias para cá, com a repercussão da polêmica, dezenas de pessoas foram visitar o enfeite de jardim para fazer selfie e rir com os amigos.
Isso torna o Obelisco Leonístico melhor do que a lhama que na verdade é ovelha e se chama Estrela Guia II?
Claro que não.
Bonita ou feia, a Estrela Guia II é arte – justamente por provocar, inquietar, instigar – e o Obelisco Leonístico é um anão de jardim crescido, sem autoria e sem criação. Ele não devia estar ali, mas agora já está, e eu olho para ele e lembro sabe do quê? Da Torre Eiffel.
Não que eu queira compará-los, mas, quando a Torre Eiffel foi erguida no centro de Paris, em 1889, a ideia era que servisse como arco de entrada da Exposição Universal daquele ano. Talvez fosse removida um tempo depois, mas acabou ficando, ficando e ficando, mesmo contra a vontade de boa parte dos parisienses. Guy de Maupassant costumava dizer que o melhor lugar para almoçar em Paris era na torre, por ser o único ponto da cidade onde a visão daquele monstrengo não atrapalhava suas refeições.
Tudo isso para dizer que o Obelisco Leonístico, por mais que a classe artística exija sua remoção, não pode mais sair dali. Porque agora o leão ganhou vida própria, ganhou até charme, tornou-se um patrimônio – ainda que cômico – de uma cidade que já tem sua lhama e suas supertetas. Só não vale, também, virar um símbolo de Porto Alegre como a Torre Eiffel virou de Paris. Até o rei da selva precisa de limites.