O jurista Hélio Bicudo, um senhorzinho muito calmo, de tom de voz sempre ameno e ponderado, parecia meio desconfortável com o faniquito da colega Janaína Paschoal, que lembrava uma pastora evangélica ao discursar na faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) na segunda-feira à noite. Bicudo, 93 anos, e Janaína, 41, são os autores do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Lá pelas tantas, uma exaltada Janaína pergunta ao público se "nós queremos servir a uma cobra". A turma responde "não!", claro, então ela ergue uma bandeira do Brasil e, como se fosse uma boleadeira, gira cinco vezes o pano sobre a cabeça, com os olhos fechados e o semblante furibundo, esganiçando a voz para gritar que "o Brasil não é a república da cobra!". Hélio Bicudo ensaia um aplauso, depois desiste, dá uma risadinha, no fim aplaude.
Assista ao vídeo publicado no YouTube por um grupo contrário ao impeachment:
– Nós somos muitos Hélios! – ela menciona o nome dele, que parece não ter entendido. – Nós somos muitos Miguéis! – prossegue Janaína, referindo-se ao jurista Miguel Reale Junior, e logo ela vira de costas, caminha para trás, caminha para frente, caminha para trás, caminha para frente, e sua voz tremula de indignação e raiva, e seus cabelos balançam enquanto ela berra que "não vamos deixar essa cobra continuar dominando as nossas mentes!".
O curioso é que, além de Hélio Bicudo, aparece o tempo todo no vídeo – lá em cima, como quem observa o berreiro todo – a balança da Justiça. Que, todos sabem, simboliza o equilíbrio, a moderação necessária aos juristas.
Em determinado momento, quando cita o pai, a impressão é de que Janaína vai chorar. Seu abalo emocional é compreensível: imagine as hostilidades e ameaças que ela, antes uma anônima, tem ouvido desde que seu pedido de impeachment foi aceito. Porque falta equilíbrio não só a ela – falta à grande parte dos brasileiros que vem transformando a democracia em guerra. Mas, quando um técnico como Janaína também sucumbe ao destempero, quando também esquece a razão para se atirar na excitação, damos outro passo atrás.
Um técnico – e mais ainda um técnico que redige um pedido de impeachment – deve se colocar acima da conduta irracional que domina a discussão no país. Só assim sua credibilidade pode ultrapassar as diferenças políticas e introduzir no debate argumentos estritamente jurídicos, práticos, lógicos, objetivos. Se nem os técnicos conseguem se conter, é porque a coisa vai mal.
A alegação de que Janaína é vítima de machismo, de que só está recebendo críticas ao seu descontrole por ser mulher, é um contrassenso. Ser condescendente com alguém apenas por ser mulher, isto, sim, seria machismo. Homem ou não, prefiro a atônita postura do experiente Hélio Bicudo.