* Economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics, professora da SAIS, Johns Hopkins University
Sempre que a economia reage de modo diferente do esperado, surge a tese do "descolamento" entre os economistas. Foi assim antes da crise financeira internacional, quando as grandes economias maduras – sobretudo os EUA – mostravam claros sinais de arrefecimento, enquanto países emergentes continuavam a crescer, gerar empregos, aumentar o consumo. A tese do descolamento entre o que ocorria com as economias avançadas e o que se passava com os países emergentes ganhou fôlego e transformou-se em intenso debate há exatos 10 anos, em 2007. No fim, o equívoco ficou claro quando sobreveio a crise de 2008. Não havia descolamento algum, havia apenas uma defasagem nos ciclos econômicos de diferentes países, defasagem essa fortemente influenciada pelo papel da China.
Desde então, a falaciosa tese do descolamento desapareceu do debate internacional. Contudo, ela ganhou espaço no Brasil ante o suposto distanciamento que alguns enxergam entre a crise política e a situação econômica. Se a bolsa não cai e o dólar não dispara, mesmo com o agravamento da crise institucional brasileira, isso só pode ser sinal de que economia e política de fato não andam juntas, estão "descoladas". Será?
Primeiramente, é preciso corrigir a ideia de que os mercados resumem a economia. Por mais importantes que sejam os sinais dados pelas expectativas dos investidores e os preços dos ativos, o mercado é parte da economia, mas não a economia inteira. A bolsa pode não ter despencado, o dólar pode não ter disparado, mas ainda temos 13,5 milhões de desempregados no País – o primeiro recuo da taxa de desemprego brasileira é bem-vindo, mas ainda revela uma situação demasiado complicada para muitas famílias que passam pelo drama da falta de trabalho. Para além disso, a inflação em queda – no momento, bem abaixo da meta – mostra claramente a fraqueza da economia. A fraqueza da economia, por sua vez, é resultado de diversos problemas, inclusive da crise política. Portanto, difícil é insistir na tese do descolamento quando olhamos o passado recente e o presente.
Mas, e o futuro? O que esperar da economia brasileira daqui para frente? Qualquer cenário sobre a economia que ignore o quadro político absolutamente imprevisível que temos pela frente estará fadado ao erro. Há poucos meses, muitos analistas brasileiros achavam possível – inevitável, até - que a economia brasileira crescesse perto de 2% em 2018. Até o FMI, esperançoso sobre os efeitos das reformas no crescimento, projetava uma alta do PIB de cerca de 1,7% no ano que vem. Eis, entretanto, que, após os áudios de Temer com Joesley e a intensificação da crise institucional – com os ataques constantes ao trabalho do Ministério Público, da Polícia Federal, do judiciário – as estimativas de crescimento para 2018 perderam o pouco brilho pálido que tinham. O FMI rebaixou o crescimento do ano que vem para pouco mais de 1%. É possível que não se alcance nem isso. Cadê o descolamento?
Outra área em que o tal descolamento está notavelmente ausente é o quadro fiscal que se apresenta. Muitos já não acreditam que o governo consiga cumprir a meta de déficit primário adotada para esse ano pois os gastos têm crescido mais do que se supunha – para que Temer garanta sua sobrevivência política – e a arrecadação continua a vir mais fraca do que o esperado. Os recentes aumentos de impostos anunciados pelo Ministério da Fazenda são a mais clara evidência de que a gestão da crise política custa caro, que o ônus sempre recai sobre as metas fiscais, e de que a equipe econômica – por melhor que seja – não é dona de seu destino. Que descolamento é esse?
O descolamento inexistente já inviabilizou a reforma da Previdência e forçou o retrocesso na reestruturação do BNDES, com os clamores por mais crédito público aparentemente atendidos por Temer na troca de comando da instituição. O descolamento inexistente também impede que o Banco Central, mesmo sem qualquer pressão inflacionária à frente e com a inflação corrente abaixo da meta, seja ainda mais agressivo nos cortes de juros. O descolamento inexistente, a taxa de aprovação de 5% de Temer.
Caso Temer não seja afastado pela Câmara, hipótese que ganhou força considerável nos últimos dias, é provável que a tese do descolamento seja duramente testada. Talvez a bolsa não caia, talvez o dólar não dispare. Mas nada disso significa que a crise política tenha deixado de ser o cachorro que abana o rabo da economia brasileira.
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