Desde a campanha, o presidente norte-americano Donald Trump tem insistido que déficits externos são ruins, devendo, portanto, ser eliminados. A ideia é que, se os Estados Unidos têm déficit comercial elevado com a China e com o México, trata-se de complô desses países contra os EUA. Devido ao déficit, estariam esses países roubando empregos e oportunidades dos trabalhadores americanos. Déficit externo, para Donald Trump, é Zezé, cabeludo que só.
Contudo, bem sabem os economistas que déficits nada dizem sobre o que quer que seja. Déficits apenas ilustram as transações que ocorrem na conta corrente do balanço de pagamentos. Quando países emergentes têm déficits muito elevados – acima de uns 4% ou 5% do PIB –, tal posição externa pode ser indício de fragilidades que precisam ser resolvidas internamente. No caso de países emergentes, déficits altos podem retratar uma política fiscal excessivamente expansionista, que sobrevaloriza a taxa de câmbio, tornando as exportações mais caras e as importações mais baratas. Nesse caso, o problema de fundo é a política fiscal, o déficit externo é apenas o sintoma. Ou seja, para cortar o cabelo desse tipo de Zezé, é preciso fazer ajuste das contas públicas.
O caso americano nada tem de Zezé. Os EUA têm déficit externo – que já foi bem mais alto do que os atuais cerca de 2,8% do PIB – não porque a política fiscal esteja desajustada, mas porque o país é elo fundamental nas cadeias de comércio mundial. Tal déficit é financiado por todo o resto do mundo, que vê nos ativos americanos condições atraentes para que neles invistam. Dito de outro modo, quando Bancos Centrais ao redor do planeta adquirem títulos do Tesouro americano para compor suas reservas internacionais, essas instituições estão a financiar o déficit americano. Como os ativos americanos são os mais líquidos e mais seguros do mundo, a chance de que Bancos Centrais e outros investidores decidam parar de financiar os EUA de uma hora para outra deixando o déficit a descoberto é irrisória, para não dizer que é igual a zero. Portanto, ao contrário do que ocorre em países emergentes como o Brasil, a demanda constante por ativos dos EUA impede que haja risco de crise no balanço de pagamentos devido a uma súbita mudança de humor em relação ao país.
Além disso, déficits externos no século 21 significam que países como os EUA estão plenamente integrados nas cadeias de valor. No caso do déficit com o México, por exemplo, empresas americanas importam partes e componentes de máquinas, automóveis, e outros produtos, para produzir em solo americano. Como os salários no México são mais baixos do que os salários nos EUA, alguns empregos migram para as filiais dessas empresas no México. Contudo, isso permite ganhos de eficiência para as empresas de forma que elas possam aumentar as vagas para trabalhadores mais qualificados nos EUA – e difíceis de encontrar no México – pagando salários mais elevados. Ou seja, não há "roubo de empregos", mas chances de criação de empregos mais rentáveis para a população norte-americana. Isso significa que o trabalhador americano menos qualificado perde seu emprego nos EUA? Muitas vezes, sim. Mas esse não é argumento suficiente para atacar o déficit externo, já que o governo pode resolver o problema com programas de retreinamento ou com programas de assistência ao trabalhador, o que nos EUA denomina-se de Trade Adjustment Assistance.
Desafortunadamente, parte da equipe de Trump não entende as nuances dos déficits. Parte da equipe de Trump vê apenas um grande vermelhão, um sinal negativo na frente de um número. Ora, sinais negativos não podem ser boa coisa, não é? Corta o cabelo dele, corta o cabelo dele, corta o cabelo dele, corta o cabelo dele.
Mas a verdade verdadeira, não a verdade alternativa, é que o déficit não é Zezé, Bossa Nova ou Maomé. É apenas déficit.
Para os devaneios de Trump, viva o Brasil! Viva o Brasil, país com o qual os EUA têm o segundo maior superávit comercial do mundo.
E, viva a cabeleira do Zezé!
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