Dilma e Trump? Como assim, Dilma e Trump? Explico.
A eleição de Donald Trump trouxe à tona temores de que o populismo esteja se alastrando mundo afora em ritmo alarmante. Populismo, como se sabe, não é prerrogativa da "direita" ou da "esquerda". Líderes populistas de qualquer matiz ideológico costumam usar recursos variados para obter o apoio da população. A linguagem usada para transmitir mensagens é simples e direta, o discurso apela à simpatia daqueles que se sentem excluídos do sistema – os mais pobres, a classe média vulnerável – enquanto denuncia constantemente as chamadas classes privilegiadas, a elite. Populistas são os redentores dos humildes. Vá lá que a linguagem de Dilma tenha sido mais idiossincrática do que essa definição sugere – mas, de resto, Dilma foi uma líder populista. Assim como também o foram/são: Lula, o casal Kirchner, Chávez, Morales, Correia. A América Latina é solo fértil para a semeadura de populistas. Por isso, talvez, Donald Trump nos pareça tão familiar.
Na economia, o populismo se expressa de duas formas: a defesa do protecionismo e o uso do Estado para promover crescimento e emprego. Trump defende o protecionismo, bem como o uso do Estado para promover crescimento e emprego. Dilma fez isso ao longo de todo o seu governo. Trump defende espécie de "Estado de Bem-estar Social Corporativo", por meio de dramáticas reduções de impostos sobre as empresas, sobretudo as maiores empresas, as mais capazes de criar empregos. Dilma, durante seus mandatos, incluindo o interrompido, promoveu o "Estado de Bem-Estar Social Corporativo" por meio da expansão desenfreada do crédito camarada do BNDES para as grandes empresas do país, além das desonerações para setores específicos – sobretudo para a indústria tradicional, outra semelhança Trumpista – que tanta dor de cabeça trouxeram para as contas públicas. Dilma não entendia muito bem como a economia funcionava, embora fosse economista - em meu livro "Como Matar a Borboleta-Azul: Uma Crônica da Era Dilma" mostro passo a passo como a ex-Presidente levou o País ao estado de calamidade que vemos hoje com suas políticas francamente populistas. O temor em relação a Trump é que o empresário sem qualquer experiência de governo promova bagunça na economia americana sem compreender as reais consequências de algumas de suas propostas à la Borboleta-Azul.
É claro que a comparação entre os EUA de Trump e o Brasil de Dilma tem limites. Afinal, os EUA têm instituições maduras, pesos e contrapesos no sistema, que por certo haverão de impedir algumas maluquices caso o discurso de campanha revele-se mais do que mera retórica. Além disso, sendo os EUA o emissor da principal moeda de reserva internacional, o dólar, é possível aguentar o desarranjo fiscal proveniente da redução de impostos e dos gastos trilionários com infraestrutura por mais tempo do que no Brasil. Isso, entretanto, não significa que as políticas propaladas pelo presidente eleito não possam ser bastante prejudiciais. A dívida pública americana hoje soma mais de 100% do PIB. Trata-se do maior nível em mais de 40 anos, em grande parte fruto das sequelas da crise financeira de 2008. Portanto, qualquer expansão fiscal significativa elevará esse estoque já considerável, atiçando dúvidas sobre o valor dos ativos americanos. Dito de outro modo, com a dívida em elevação e a retórica anti-China de Donald Trump, não é difícil imaginar cenário em que o país asiático resolva chacoalhar o mercado de Treasuries em algum momento futuro.
Ao final de seu mandato, Dilma cercou-se de gente pouco qualificada para dar rumo ao país – sua coalizão a abandonara, seu partido – o que dele havia sobrado – a rechaçara. Antes mesmo de tomar as rédeas da República, Trump carece do apoio de pessoas qualificadas para os principais postos que tem a obrigação de nomear. Diversos republicanos de peso o rechaçaram na largada, o que tem feito de seu esforço de compor uma equipe verdadeiro reality show angustiante. É possível que Trump não governe como Dilma. Mas, para quem já viu a morte da borboleta um dia, algumas semelhanças são deveras inconvenientes.
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