Não me admiro com a popularidade do Bolsonaro. Surpreendo-me com que não haja ainda mais eco. Muitas são as razões de sua força, até porque o tipo de voto do espectro político de seus simpatizantes é o mais fácil de ser conquistado. Ele não depende de argumentos, basta despertar o preconceito que já temos em forma latente.
Gostamos de filmes de máfia porque esse funcionamento social simples que é proposto nos agrada: um pai poderoso, amoroso e violento que pensa, decide por todos e sempre sabe do que a família necessita. No automático, nossa cabeça vai direto ao sentimento de família, de um grupo de iguais, da oposição fácil entre o nós e os outros.
É confortável pois não é preciso refletir, só pertencer. Assim são as paixões futebolísticas, assim pode ser a política feita com o fígado, tanto à direita quanto à esquerda. A válvula do ódio ao diferente se abre fácil.
Acredito que boa parte dos votos de Bolsonaro é de gratidão pelo seu machismo e homofobia explícitos. O declínio do patriarcado foi a revolução mais bem-sucedida do século 20. O mundo onde as mulheres não tinham voz nem poder afunda aos poucos, mas inexoravelmente. É um abalo sísmico lento e sistemático, sacudindo os papéis de gênero e diluindo o binário homem/mulher como referência de identidades únicas.
Normal a reação, paira saudade do tempo das certezas, mesmo que forjadas à base da coerção: quem era homem era homem, quem era mulher era mulher e pronto. Até para algumas delas, acomodadas à vida de velas ao vento, a liberdade é um motor que temem operar. Machistas de ambos os gêneros partilham a sensação de que hoje o mundo estaria perdido com essa proliferação de siglas sobre gêneros que nem sabem o que são. Imaginam a diversidade como falha moral e ultraje ao bom senso.
Esse voto é a nostalgia de um passado tranquilo, que aliás existe apenas na imaginação. Envelhecemos e vamos melhorando nossas memórias, esquecemos o ruim e inventamos algo mais palatável. Afinal, se essa foi e será nossa única vida, como não teria sido boa?
Bolsonaro nos conecta com os "bons tempos" idealizados das certezas de gênero e da família tradicional. É tributário da saudade dos pais que supostamente sabiam tudo. Esse voto tem o cheiro das tardes fagueiras, à sombra das laranjeiras de Casimiro de Abreu, e de tudo o que os anos não trazem mais.
É um voto que reinventa um passado para fazer cessar um presente que angustia. É um voto do filho que espera a bênção paterna, que quer a mulher-mãe recatada e do lar de volta à cozinha. É o voto de quem acredita que os problemas resolvem-se com um pai que puna severamente. Especialmente, é o voto de que "tudo isso que não presta" retorne ao armário. Os ódios, quando são obsessivos, nos desvelam.