Não tenho dúvidas de que a presidente afastada Dilma Rousseff, na iminência da votação que deve apartá-la de vez do cargo, constrange-se com alguns abraços de urso - ou "apoios de urso". Mesmo com as circunstâncias a levando a se alinhar politicamente a bolivarianos e assemelhados, Dilma sempre torceu o nariz para essa turma. E motivos nunca faltaram. Entre eles, a vontade que ela tinha de ver o Mercosul negociando com a União Europeia (UE), iniciativa travada reiteradamente pelos argentinos kirchneristas e pelos venezuelanos chavistas. Mas não era só isso. O próprio Luiz Inácio Lula da Silva já saiu de cabelo em pé depois de reunião com o então colega Hugo Chávez. Aquele pessoal tem uma lógica pesada, que o próprio secretário-geral da OEA, Luis Almagro, identificou ao ser a favor do referendo revogatório de Maduro e se opor ao impeachment de Dilma. Almagro, ex-chanceler do uruguaio José Mujica, é homem de esquerda. Mas sabe as diferenças entre grupos e entre métodos.
Em tempo: este colunista faz tal raciocínio, mas concorda com quem diz que a política jamais deveria servir como salvo-conduto para alguém apoiar regimes como o chavista. O estilo truculento de lidar com os adversários, os presos políticos, o desabastecimento em 80%, a inflação superando os 700%, a miséria, a fome e a morte por falta de medicamentos, isso tudo deve ser lembrado.
Mesmo assim, apoios chavista e kirchnerista, além de não ajudar, só afundam Dilma ainda mais. Qualquer pessoa sensata sabe que aquilo lá é inaceitável. Mesmo quem, publicamente, tenta defender tantos desatinos e desmandos.
Agora, foi a vez de a ex-presidente argentina Cristina Kirchner manifestar seu apoio a Dilma e enviar uma "carta urgente à América do Sul", em que denuncia uma estratégia contra os "governos populares" na região. "É uma estratégia dura e pura para a região contra os governos nacionais, populares e democráticos, e sobre seus líderes políticos", escreve Cristina, acrescentando que "qualquer coincidência com o que aconteceu e acontece em nosso país não é casualidade".
Dias antes, havia sido a vez do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, que identificou uma "investida imperialista". Maduro convocou seus simpatizantes à resistência contra a "oligarquia", pois, diz ele, "somos milhões e esta batalha vai muito além das fronteiras da Venezuela". O venezuelano chega a falar em uma "nova Operação Condor" - o aparato repressivo que unia ditaduras sul-americanas em uma espécie de "Mercosul macabro".
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Maduro tenta pôr no mesmo saco o impeachment de Dilma e o referendo revogatório previsto constitucionalmente para ser uma consulta política a respeito do governo - um recall, de legitimidade incontestável, após o terceiro dos seis anos de governo. Na esteira dessa visão oportunista, o governo da Venezuela acusa a oposição e os EUA de planejarem um golpe que, alegam, culminaria na tentativa de tomar o poder. O tom do presidente venezuelano aumentou em razão do que foi agendado para esta quinta-feira, dia em que foi convocada uma marcha em defesa do referendo revogatório. Nessa toada chancelaria venezuelana emitiu comunicado em que protesta contra declarações do Departamento de Estado americano, classificando como "insolente" a crítica à decisão de transferir o ex-prefeito opositor Daniel Ceballos para a prisão. Em nota, o Departamento de Estado dissera que a transferência "representa um esforço para intimidar o direito do povo de se expressar". O texto da chancelaria venezuelana, por sua vez, acusa o governo de Barack Obama de "tentar desestabilizar a Venezuela e a região em seus últimos dias de governo para legitimar planos imperialistas contra a paz e o desenvolvimento do povo".