Poema lírico composto de estrofes de versos com medida igual, sempre de tom alegre e entusiástico. Ao pé da letra, esta é a definição de ode. Em livre adaptação para o futebol é o que fazem Renato Portaluppi e Jorge Jesus no comando de Grêmio e Flamengo, ambos devotos do gol. Menos de 10 anos os separam, o que significa que as referências de cada um são de um mesmo tempo. As trajetórias dos treinadores são completamente diferentes, mas há muito mais a aproximá-los do que a afastá-los. Caso se desarmassem do espírito competitivo, poderiam ser bons amigos contando suas histórias na mesa de um bar. Às vésperas de se enfrentarem, Renato e Jesus, Grêmio e Flamengo prometem um jogo extraordinário na Arena.
O que aproxima os dois técnicos é o conceito final, a prioridade absoluta pelo gol. O caminho que cada um recomenda à sua equipe para alcançar o objetivo é diferente. Jorge Jesus conta com mais qualidade individual no time que dirige. Seu jogo apoiado começa por Rodrigo Caio e Marí, zagueiros de passe. Nas laterais, Rafinha e Filipe Luís traçam com naturalidade o trajeto da linha de fundo ou da diagonal por dentro, o que costuma ocorrer em sincronia com a abertura dos meias Arrascaeta e Everton Ribeiro. A começar o serviço de meio-campo, William Arão, agora adorado pela torcida porque jogando no lugar certo, e Gerson agregam intensa movimentação entre as duas áreas com marcação não faltosa.
A este combo de virtudes, o Flamengo ainda acrescenta a velocidade de Bruno Henrique, que se sente à vontade à esquerda e à direita. Como cereja do bolo, Gabigol se mexe à frente de todos estes incessantemente, o que proporciona a ele e aos parceiros uma grande quantidade de chances criadas e, por consequência, o melhor ataque do Brasileirão.
O Grêmio, na comparação direta com as qualidades do Flamengo que ocuparam tantas linhas desta coluna, tem o jogador mais independente do confronto, aquele que se basta a partir do momento em que toca na bola porque é capaz, como nenhum outro no futebol brasileiro, de sair driblando três ou quatro defensores adversários e gerar sozinho uma situação de gol. Everton tem feito isso de azul e de amarelo, mas no Grêmio com muito mais regularidade. Como consequência, o time acaba jogando para Everton, nada de errado nisso. Recentemente, ao completar 16 gols em quatro jogos, o Grêmio ampliou o leque. Diego Tardelli trouxe movimentação inteligente entre os zagueiros. Alisson se afirmou no corredor direito com gols e bola parada.
Luan, substituindo Jean Pyerre quando este alcançava o auge do desempenho no ano, parece estar no caminho de reencontrar seu jogo. Luan flutua entre volantes e zagueiros adversários e precisa de parceiro sagaz para dar certo. Tardelli está atendendo esta necessidade. Mais de trás, o apoio veloz de Matheus Henrique ajuda no preenchimento do campo do adversário. Michel de primeiro volante não tem o passe diferenciado de Maicon, mas está longe de ser um sujeito que não gosta da bola. Pelos lados, a chegada de Cortez tem valor pelo volume, peca pelo acabamento. Na direita, Léo Moura trará qualidade de armador, mas de intensidade relativa, porque precisa dosar energia nos seus 41 anos.
Sem a bola, Grêmio e Flamengo têm mais diferenças do que semelhanças. Jorge Jesus manda seu time marcar adiantado. Ele conseguiu convencer Gabigol a correr atrás de zagueiro. De Arrascaeta anda dando carrinho. Everton Ribeiro corta caminho de lateral. Todos muito próximos para evitar que um drible do lado de lá desmonte o sistema de marcação. Compactado, o Flamengo tira espaço de contra-ataque.
O Grêmio marca meia-pressão. Tenta reduzir o campo a 40 metros, mas no setor intermediário. Só eventualmente se vê o time avançar todas as linhas para dentro do campo do outro para marcar a saída de bola. Quando acontece, é tipo blitz, não como primeiro recurso de marcação. Talvez Renato use mais vezes o recurso quarta-feira para tentar evitar a fluência do jogo de passes do Flamengo desde os zagueiros. Se conseguir, recupera a bola a 30 metros do gol adversário e pode ser letal na construção do contragolpe.
Vai ser uma cena e tanto ver o cumprimento dos treinadores na beira do campo. A despeito do que disseram sobre quem joga o futebol mais bonito do país, se respeitam. Ainda que secretamente. Renato e o Grêmio têm DNA de Libertadores. Jesus e o Flamengo estão em busca. A RBS TV transmite ao vivo na quarta-feira (2), às 21h30min.