No primeiro compromisso internacional depois da eleição - e ainda antes da posse - o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi recebido na 27ª Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU), a COP-27, no Egito, com o cântico "o Brasil voltou" - que estimulou e puxou para si.
Na quarta-feira (24), todo o governo Lula teve de engolir essas palavras: em iniciativa inusual, porque afinal o formato da administração deveria ser uma escolha do Executivo - o Congresso aprovou mudanças na composição da Esplanada, tirando poder de dois ministérios que simbolizavam a "volta": o do Meio Ambiente e o dos Povos Indígenas.
A comissão mista formada por deputados e senadores que analisa a medida provisória que instituiu o novo funcionamento do governo federal, que passou de 23 para 37 ministérios, mudou pontos cruciais da proposta original, retirando órgãos - portanto poder - das duas pastas que simbolizavam grandes mudanças em relação ao governo anterior. E, não por acaso, reforçando as pastas ocupadas por indicados do centrão.
A pasta comandada por Marina Silva deve perder a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), transferida para o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional de Waldez Góes, filiado ao PDT, mas indicação da União Brasil (fusão de PFL e PSL), e o Cadastro Ambiental Rural (CAR), para a a Gestão e Inovação em Serviços Públicos - nesse caso, fora do alcance do centrão.
Mesmo com essa "disfarçada", organizações não governamentais ligadas a temas socioambientais já acusaram o golpe. Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, que reúne 94 ONGs, afirmou que o "Congresso está passando uma boiada na proposta de reestruturação administrativa". Do Ministério dos Povos Indígenas, foi retirada a competência para reconhecer e demarcar terras povoadas por habitantes originários, que era sua principal função.
E o enfraquecimento das duas pastas simbólicas para o cerco à boiada não passa só pela reorganização da Esplanada. Há mais derrotas, como a aprovação da urgência para votação do marco temporal que limita demarcação de terras indígenas. E enquanto isso tudo acontecer, o que faz o governo que faria o Brasil voltar? Diz que tudo está negociado com o Congresso, ou seja, cedeu. Tentou voltar, mas começa a dar ré em seus próprios passos.