Ainda na série "nem parece que foi ontem", a companhia Barca dos Corações Solitários está em Porto Alegre neste final de semana com uma montagem diferente da Ópera do Malandro, versão de Chico Buarque para a obra de Kurt Weil e Bertold Brecht. A música que abre a apresentação, composta no final da década de 1970, ainda guarda uma desconfortável atualidade. A ordem dos fatores pode ser diferente, mas ainda é uma boa ilustração da cadeia das pedaladas e como isso afeta a economia. Confira.
O Malandro
O malandro, na dureza
Senta à mesa do café
Bebe um gole de cachaça
Acha graça e dá no pé
O garçom, no prejuízo
Sem sorriso, sem freguês
De passagem pela caixa
Dá uma baixa no português
O galego acha estranho
Que o seu ganho tá um horror
Pega o lápis, soma os canos
Passa os danos pro distribuidor
Mas o frete vê que, ao todo,
Há engodo nos papéis
E pra cima do alambique
Dá um trambique de cem mil réis
O usineiro nessa luta
Grita ponte que o partiu
Não é idiota, trunca a nota
Lesa o Banco do Brasil
Nosso banco tá cotado
No mercado exterior
Então taxa a cachaça
A um preço assustador
Mas os ianques, com seus tanques,
Têm bem mais o que fazer
E proíbem os soldados
Aliados de beber
A cachaça tá parada,
Rejeitada, no barril
E o alambique tem chilique
Contra o Banco do Brasil
O usineiro faz barulho
Com orgulho de produtor
Mas a sua raiva cega
Descarrega no carregador
Este chega pro galego
Nega arrego, cobra mais
A cachaça tá de graça
Mas o frete, como é que faz?
O galego tá apertado
Pro seu lado não tá bom
Então deixa congelada
A mesada do garçom
O garçon vê um malandro
Sai gritando pega ladrão
E o malandro, autuado
É julgado e condenado culpado pela situação