Submersa desde que Lula passara o bastão para Dilma, a Realpolitik – aquela política que põe em segundo plano convicções e programas em nome de resultados práticos - está de volta ao Planalto. Pragmático, Lula se aliou a Sarney, Maluf e Collor, abraçou Kadafi, Chávez e Obama, e despejou dinheiro no MST e nas empresas de Eike Batista porque seu então mítico instinto dizia que que, para as coisas acontecerem no Brasil, era preciso acender velas aos deuses e aos muitos diabos ao mesmo tempo. Lula tentou ensinar seu método a Dilma, mas a agora presidente afastada acabou reprovada em três testes decisivos.
Na eleição para a Câmara no início do segundo mandato, Dilma apoiou um candidato com bom trânsito no alto clero, Arlindo Chinaglia, do PT, mas logrou apenas destampar a ira do vencedor, o malvado favorito da Câmara Eduardo Cunha. Na eleição da Comissão de Ética que iria julgar Cunha, Dilma chegou a titubear, mas a direção de seu partido, não: no mesmo dia em que o Planalto retirou seu apoio, Cunha entrou com o pedido de impeachment. Por fim, no sufoco, Dilma convocou dois mestres da política, Michel Temer e Eliseu Padilha, como seus articuladores, mas os sabotou ao bloquear as combinações de ambos. Lula se irritou e se decepcionou tanto com Dilma porque sua pupila, apesar de todos os avisos, colidiu de frente com a jamanta política de Brasília.
Michel Temer conhece bem melhor o terreno movediço em que pisa o presidente do Brasil. É no âmbito da Realpolitik que deve ser interpretado o endosso do Planalto ao reajuste do funcionalismo que custará R$ 52,9 bilhões em três anos. Por mais injusto que seja engordar o contracheque de uma elite funcional quando há mais de 11 milhões de desempregados, o cálculo do Planalto levou em conta que, entre uma derrota certa na Câmara e greves por todo o lado no serviço público, o menos ruim seria enfrentar as críticas e cumprir o acordo fechado por Dilma. Na mesma linha da sobrevivência política é que Temer montou um ministério cheio de altos e baixos e decidiu que só deverá enviar ao Congresso uma urgente Reforma da Previdência depois das eleições.
A Realpolitik não é necessariamente um mal em si. Foi graças a ela que Ronald Reagan fechou acordos históricos com a União Soviética, afastando o risco de uma guerra nuclear. Às vezes, ela pode ser até embutir o gesto de estadista, como a aproximação de Obama com o regime cubano. O regime militar não se preocupava tanto com esse desgastante ritual de acasalamento político. Para aprovar uma reforma do Judiciário e impingir mudanças eleitorais, simplesmente fechou o Congresso em 1977. Hoje, por mais em baixa que esteja o conceito do parlamento, nada de peso acontece no Brasil sem passar pela Câmara e pelo Senado. Quem não dominar a Realpolitik da democracia à brasileira não conseguirá governar o país.