Luis Fernando Verissimo

Crônica

Solteirão

Leia a coluna publicada na superedição de fim de semana de ZH 

Luis Fernando Verissimo

Todos decidiram que o Valter precisava se casar. Família, amigos, todos. O Valter era um bom sujeito. Mas já tinha mais de 40 anos e estava em vias de se tornar um "solteirão", com tudo o que a palavra significava. Um "solteirão" era alguém que passava pela vida sem provar as delícias de ter uma mulher só pra ele e uma família. Quando não havia, claro, a possibilidade de ser gay. Mas tudo bem, concordavam todos. O Valter podia se casar com outro homem. O importante era que não continuasse solteiro. O importante era que se casasse.

*

Família e amigos puseram-se a campo para encontrar uma mulher para o Valter. Quem mais se preocupava com o fato de ele não ser casado era sua irmã, Valkíria (casada com o Ferreirinha, que, diziam, tinha uma noiva em cada bairro da cidade e gastava uma fortuna só em transporte).

– Eu estou satisfeito assim, Val – dizia Valter.

– Eu sei. Mas não é, não é...

– O que, Val?

– Normal.

*

Um dia, Valkíria anunciou que iria apresentar Valter a alguém muito especial.

– Vocês vão se dar muito bem. Têm muitas coisas em comum.

– O que, por exemplo?

– Ela também gosta de cinema. Eu acho. E teatro. Adora teatro.

– Eu não gosto de teatro.

– Não sei se ela gosta de teatro, mas é uma pessoa interessantíssima. Tem renda própria e não é feia. Quer saber o nome dela?

– Não.

– Verônica. Não é bonito? Verônica. Vocês vão se dar muito bem.

– Por que você acha isso, Val?

– Porque numa coisa vocês são iguais. Os dois são solteiros.

O que os dois tinham mesmo em comum era que Verônica também vivia pressionada por familiares e amigos para se casar.

*

No primeiro encontro, Valter e Verônica concordaram. Se casariam. Sem namoro, sem noivado, sem se conhecerem bem e sem demora. Desde que algumas coisas ficassem acertadas.

– Eu leio jornal na cama e durmo só de camiseta.

– Antes de tomar uma xícara de café de manhã, não falo com ninguém. Só rosno.

– Tenho horror de sol, de miúdos, de cheiro de incenso e de pagode.

– Você raspa a manteiga ou tira pedaço?

– Tiro pedaço. Você?

– Raspo. E enrolo o tubo de pasta de dente.

– Eu não enrolo, mas não tenho preconceito.

– Uma coisa: o controle remoto da televisão fica comigo.

– A não ser quando tiver futebol.– Combinado.

*

Casaram-se, numa cerimônia simples na casa da Valkíria, que estava radiante. E, é claro, divorciaram-se pouco tempo depois da lua de mel em Porto Seguro. Valter contou para a irmã que simplesmente não dera certo. Os dois tinham hábitos muito arraigados. Hábitos de solteiros. Tinham tentado, mas... Valkíria, para sua surpresa, compreendeu. Disse que hoje em dia é normal ser divorciado. E que ninguém chamaria um divorciado de "solteirão".

*

E Valkíria contou ao irmão que ela mesma só não era divorciada porque o Ferreirinha dizia que acreditava demais na santidade do casamento e não aceitava.


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