A necessidade compulsória que sentimos de reverenciar Nelson Porto, todos os anos e sempre, traduz bem o quanto esta figura humana inigualável impactou a vida daqueles felizardos que tiveram o privilégio do convívio.
A celebração da sua morte foi um momento muito triste porque, pela primeira vez, ele não estava lá pra chorar no fim da homenagem. E nós choramos por ele, da saudade que já sentíamos e da falta que começamos a perceber nos últimos tempos e nunca mais conseguimos resgatar.
Nascido para fazer a diferença na vida dos que tiveram a ventura de se acercar, tornou-se o nosso líder natural, não apenas porque sabia mais do que todos, mas principalmente pelo modelo de honestidade científica, reconhecido por seus incontáveis discípulos nesta trajetória, cronologicamente longa, mas afetivamente curta porque, insaciados, o perdemos com a sensação de que podíamos tê-lo explorado um pouco mais.
Compartilhados 47 anos, estou convencido de que estava certo quem disse que educação é o que sobra depois que esquecemos tudo o que nos ensinaram, e não imagino reconhecimento maior do que enchermos o peito para citar alguém como o nosso Mestre e todo mundo saber de quem estamos falando!
Uma tarde dessas, fui visitá-lo e, não sei o quanto para me agradar, ele tinha na mesinha lateral o meu último livro, que dediquei a ele, reconhecendo o esforço que fiz ao longo da minha vida para tentar imitá-lo, sem conseguir. Mas assumi que jamais ter desistido servira para justificar-me. "Já li três vezes. Uma maravilha!" foi o jeito que ele achou de me afagar.
E então, com uma reconhecida facilidade que tínhamos em comum, choramos.
Eduardo Galeano relata a saga de um pescador do litoral da Colômbia, que, um dia, subiu ao céu e, na volta, contou que, visto lá de cima, o mundo é um mar de pequenos foguinhos. Cada um tem luz própria e não existem dois fogos iguais. Há fogos pequenos e grandes, e fogos de todas as cores. Existem fogos bobos que não iluminam nem queimam, mas há fogos loucos que enchem o ar de chispas e que ninguém consegue olhar sem pestanejar, e os que se aproximam, se incendeiam. Os incendiados de Nelson Porto transbordaram as redes sociais no dia da sua morte numa demonstração do carinho que todos nós ambicionamos merecer no fim da vida.
Nunca conheci ninguém que harmonizasse tão perfeitamente discurso e atitude e, para mim, a maior herança desse grande Mestre foi a impagável lição de que é possível fazer da coerência uma condição de vida, e exercê-la todos os dias, sem concessões. Obrigado, meu querido Mestre, pelo exemplo que tentaremos perpetuar, convencidos que o seu maior legado foi esta vida de irretocável dignidade.
E prometa que não vai se irritar com a lerdeza mental dos seus novos parceiros. Eles estão apenas entorpecidos pelo marasmo da eternidade, mas logo logo vão perceber o fascínio de interagir com uma mente luminosa, recém chegada, e cheia de novidades.
Até um dia desses...