Um dia depois de o governo argentino anunciar a suspensão das exportações de carne por um período de 30 dias, o setor agropecuário respondeu com a decisão de paralisar, por nove dias, a partir da quinta-feira (20), toda a comercialização de produtos bovinos. Representantes de quatro das mais representativas entidades do setor (Coniagro, Sociedade Rural, Federação Agrária e Confederações Rurais Argentinas) decidiram pela mobilização após uma reunião da mesa de negociação criada. A reação está diretamente relacionada com um passado recente, em que a adoção de medida semelhante que teve consequências desastrosas para o país vizinho.
Nas gestões de Néstor e Cristina Kirchner, entre entre 2006 e 2015, o governo adotou restrição parcial à venda de carne bovina e determinou o registro de operações de exportações. Conforme dado do Instituto de Estudos da Realidade Argentina e Sul-Americana (IERAL) publicado pelo jornal Clarín, o rebanho bovino reduziu de 58 milhões de cabeças para 48 milhões entre 2007 e 2011. Caíram também o consumo interno anual, de 65 quilos per capita em 2005 para 55 quilos per capita em 2011, e o das exportações, de 800 mil toneladas para quase 200 mil toneladas em 2012.
— É curioso (a adoção da medida) porque já ocorreu antes e foi um fracasso. Funciona no curto prazo, mas no médio desestimula a produção. Houve redução de rebanho, abate, e a Argentina perdeu posições no mercado internacional da carne — relembra Fernando Velloso, da Assessoria Agropecuária FF Velloso & Dimas Rocha.
E esse é o fantasma que agora assombra produtores do país vizinho. A Argentina é o quinto maior exportador mundial de carne bovina, conforme o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA), e teme perder o espaço conquistado. O presidente argentino Alberto Fernández justificou a decisão dizendo que "o tema da carne saiu de controle. O preço sobe mês a mês sem justificativa. Temos que colocar ordem". Dados do Instituto de Promoção da Carne Bovina Argentina (Ipcva) apontam alta 65,3% em cortes de carne bovina no mês de abril.
— A decisão destrói a imagem da Argentina como fornecedor confiável e voltaremos a entregar os mercados a nossos principais competidores. E o pior, como mostrou a recente história do kirchnerismo, em nada irá contribuir para baixar os preços, especialmente no longo prazo — contrapôs Daniel Pelegrina, da Sociedade Rural, em entrevista ao Clarín.
Para o Brasil, que ocupa a liderança do ranking, a suspensão abre ainda mais espaço de mercado.
— Não existe cadeira desocupada. Já fizeram isso no passado. O mundo enxergava a Argentina quando pensava em carne bovina. No momento em que abriram a brecha, o Brasil entrou nesse espaço. Hoje, o efeito não será tão grande quanto foi no passado — observa Antônio da Luz, economista-chefe do Sistema Farsul (Federação da Agricultura do Estado).