Os mercados financeiros mundiais reagem à escalada na tensão entre Rússia e Ucrânia. As bolsas da Ásia fecharam em queda generalizada, movimento que também ocorre em alguns mercados da Europa. O presidente russo, Vladimir Putin, anunciou o reconhecimento da independência de duas regiões separatistas apoiadas por Moscou no leste da Ucrânia – passo que aumenta drasticamente o risco de uma guerra em grande escala com Kiev.
Estados Unidos e Europa ameaçam com sanções econômicas e financeiras. Por mais que sejam limitadas pela própria dependência que esses países têm do mercado russo de importações e exportações, já provoca grandes ruídos no comércio exterior mundial.
O petróleo sobe com força, em torno de 4%. O WTI, do tipo pesado e produzido nos Estados Unidos, está em quase US$ 96. No caso do Brent, produzido no norte da Europa e usado como parâmetro pela Petrobras, a cotação bate US$ 99 nesta terça-feira (22). O que pode segurar o repasse da alta para os preços dos combustíveis no Brasil é que a Petrobras costuma evitar mexer nos valores em momentos de volatilidade alta e também porque o dólar está caindo com a entrada de investimentos estrangeiros no Brasil.
A questão dos fertilizantes também preocupa, em especial Estados com foco no agronegócio, como o Rio Grande do Sul. O Brasil compra da Rússia 20% do que precisa, já que produz muito pouco perto da demanda do campo. Alta de preços ou problemas de suprimento preocupam o setor, com possível efeito em cascata na inflação de alimentos. Além disso, o Brasil também compra da Rússia insumos para produção de fertilizantes, como potássio e nitrogênio. Empresa com forte produção no Rio Grande do Sul, a Yara disse à coluna que já está buscando fornecedores em outros países.
Sem falar que uma guerra poderia piorar ainda mais a logística mundial. Gargalos acentuados ainda em 2020 e agravados em 2021 deixaram o frete marítimo mais caro, com filas de navios em portos e falta de contêineres. Coordenador do Conselho de Comércio Exterior da Fiergs (Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul), Aderbal Fernandes Lima lembra da importância da Rússia como parceiro comercial brasileiro.
- Temos uma corrente importante de comércio com a Rússia, que superou R$ 7 bilhões em 2021. É um grande importador de commodities brasileiras, temos superávit. A Rússia foi o sexto maior importador de produtos brasileiros. É o primeiro fornecedor de insumos para fertilizantes. Compramos uma série de itens que compõem fertilizantes, como potássio. A falta de fertilizantes seria nefasta.
Lima também projeta impactos na logística e no petróleo:
- Pioraria até o transporte marítimo internacional, que já está um caos. Os movimentos podem ainda fazer o petróleo pular para US$ 120 ou US$ 150 ligeirinho. Parar o fluxo de mercadorias entre Estados Unidos e Rússia, para nós, seria terrível.
Economista-chefe da Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre (CDL POA), Oscar Frank também manifestou à coluna preocupação com possíveis dificuldades para a expansão da produção das nações diretamente envolvidas:
- O que significaria queda da demanda externa por nossas mercadorias e dificuldades para a aquisição de determinados bens. De acordo com informações oficiais, Rússia e Ucrânia responderam por 0,65% da pauta de exportação nacional em 2021 (equivalente a US$ 1,81 bilhão), com destaques para soja, carne de frango e café. No caso do Rio Grande do Sul, a razão alcançou 0,71% (totalizando US$ 149,9 milhões), com relevância para proteína suína, tabaco e soja. No tocante às importações, nosso Estado compra US$ 772,0 milhões (6,6% do total das compras), com proeminência de adubos, defensivos e fertilizantes.
Veja, ainda, entrevista com o doutor em Ciência Política e professor-adjunto do departamento de Relações Internacionais da UFRJ, Maurício Santoro, ao Gaúcha Atualidade:
Qual é o potencial impacto da Rússia com ameaça de sanções econômicas e financeiras?
O grande risco que a Rússia corre com tudo isso é que a economia da Rússia já vem vivendo um momento um tanto quanto complicado por causa da pandemia. Também enfrenta seus problemas de inflação. Então o grande risco é que a economia entre em uma espiral de crises e recessões. Isso traria problemas políticos muito graves para o presidente Vladimir Putin, além, claro, de todo sofrimento que imporia para população. Na realidade, o que nós estamos discutindo agora é a possibilidade da guerra na Ucrânia se tornar generalizada, porque a Ucrânia já vive um conflito armado desde 2014, quando a Rússia ocupou a península da Crimeia e quando começaram, também, as rebeliões separatistas pró-Rússia em duas províncias do leste da Ucrânia. Naquele momento inicial, a guerra foi muito popular na Rússia, elevando muito a aprovação ao presidente Putin, mas ela trouxe problemas econômicos, particularmente por causa das sanções que a União Europeia e os Estados Unidos impuseram à Rússia.
O G7 (que reúne as maiores economias do mundo) disse que pode determinar sanções econômicas e financeiras. De que forma isso pode impactar outros países também?
Tem impacto para todos os países que, de algum modo, fazem comércio com a Rússia. Por exemplo, uma das sanções que está em discussão é proibir a Rússia de acessar os sistemas bancários internacionais. Vamos dizer, por exemplo, que eu sou um agricultor no Brasil e compro fertilizantes de uma empresa russa. Dificilmente eu conseguiria pagar essa importação, o que causaria um problema enorme no meu negócio, nas minhas atividades. Mesmo aquelas pessoas que não se envolvem diretamente com o comércio da Rússia acabariam sofrendo os impactos também. Se eu for em um supermercado cobrar algum produto alimentício, provavelmente ele vai ficar mais caro por causa dessas sanções, por causa do aumento do petróleo, dos fertilizantes. A Rússia é uma grande economia global, é um país muito importante em termos de política internacionais, e nessa rota de colisão com os Estados Unidos e União Europeia, isso provocaria muitas ondas de perturbação que acabariam chegando aqui no Brasil também. Para nós, algumas coisas envolvendo a Ucrânia, como onde vai passar a fronteira, se a Cremeia é parte da Ucrânia ou se é parte da Rússia. Isso tudo é muito distante da realidade brasileira. Mas nós temos um interesse, como país, de que não haja grandes guerras, de que não existam grandes conflitos, e que essas divergências entre as nações se resolvam por meio de negociações pacíficas. O Brasil ganha quando isso acontece, em particular em um momento como o que a gente enfrenta agora, em que mesmo sem guerra, já vai ser um ano bastante difícil para economia brasileira, com crescimento baixo, inflação alta, juros subindo. A última coisa da qual nós precisamos é de mais turbulência internacional.
Ouça a entrevista completa na Rádio Gaúcha:
Coluna Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Colaborou Daniel Giussani (daniel.giussani@zerohora.com.br)
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