O corte das verbas da saúde e da educação voltou a ser discutido no ambiente político. Não é novidade, acontece sempre que fica difícil acertar as contas públicas.
Embora ignorante em assuntos da economia, sei que equilibrar as contas do governo é muito importante. O problema é que reduzir o orçamento do Ministério da Saúde sem definir as áreas que vão sofrer cortes é irresponsabilidade.
Os sanitaristas e todos os que se interessam por saúde pública são unânimes em reconhecer que o SUS padece de subfinanciamento crônico. Investimos em saúde 9,8% do PIB, número compatível com aqueles dos países da OCDE. No caso deles, no entanto, o sistema público recebe 70% a 80% do investimento total, enquanto aqui a parcela é de apenas 40%. Os 60% restantes ficam por conta das famílias: pagamento de convênio, consultas particulares e medicamentos, entre outros. Quer dizer, os 150 milhões de brasileiros mais pobres que dependem exclusivamente do SUS têm acesso a menos da metade dos recursos. Nesse quesito, perdemos também para o Chile e a Colômbia.
Para cada U$ 1 investido pelo governo, as famílias brasileiras desembolsam U$ 1,13. Em Portugal a relação é de 1 para 0,58, no Reino Unido, 1 para 0,20.
Onde mais poderíamos economizar? No programa de distribuição de medicamentos contra o HIV, que revolucionou o combate à epidemia no Brasil? Suspender o Programa Brasil Sorridente, que acaba de ser retomado a um custo anual de R$ 10,7 bilhões? Dar fim ao Farmácia Popular e deixar pessoas com diabetes e pressão alta correr risco de ataque cardíaco, AVC, insuficiência renal e cegueira?
Embora haja espaço para melhorar a gestão, combater o desperdício e a corrupção, é claro que o SUS não conseguirá lidar com novas perdas orçamentárias sem interromper serviços que presta aos mais desfavorecidos. Por essa razão, os digníssimos representantes do povo na Câmara e no Senado que propõem reduzir o orçamento do Ministério da Saúde têm o dever moral de assumir a responsabilidade de declarar quais serviços o SUS será obrigado a cortar. Suponho que os senhores conheçam os principais programas do nosso sistema de saúde.
Temos o maior programa público de imunizações do mundo, o PNI. Qual das vacinas devemos suspender: sarampo, difteria, tétano, covid, poliomielite?
A incorporação ao PNI das vacinas contra o vírus sincicial respiratório que tantas internações e mortes provoca em crianças e adultos, a vacina trivalente contra influenza, contra o vírus Chikungunya e o meningococo tipo B vai nos custar cerca de R$ 3 bilhões.
Podemos economizar esse dinheiro, claro, mas quanto gastaremos com as internações hospitalares para tratamento das complicações pulmonares do sarampo, da gripe, do vírus sincicial e com as afecções reumatológicas provocadas pelo vírus Chikungunya? Quanto sofrerão os que caírem doentes por falta de vacina? Esquecemos das mortes que ocorreram antes da vacinação contra a covid?
Vamos reduzir o número de médicos, enfermeiras e de agentes comunitários que batem de porta em porta para levar cuidados de saúde a cerca de 160 milhões de brasileiros? Reconhecido pela OMS, como um dos maiores programas de saúde pública do mundo, o Estratégia de Saúde da Família nos custa R$ 20,6 bilhões por ano. Economizar essa quantia não será um tiro no pé? Quanto custarão as internações por problemas que poderiam ser resolvidos pela atenção primária, a baixo custo?
Onde mais poderíamos economizar? No programa de distribuição de medicamentos contra o HIV, que revolucionou o combate à epidemia no Brasil? Nas equipes do Resgate, que prestam atendimento às emergências nas cidades brasileiras? Suspender o Programa Brasil Sorridente, que acaba de ser retomado a um custo anual de R$ 10,7 bilhões? Vamos preservar dentes íntegros só na boca dos que têm dinheiro para ir ao dentista? Dar fim ao Farmácia Popular e deixar pessoas com diabetes e pressão alta correr risco de ataque cardíaco, AVC, insuficiência renal e cegueira? Acabar com o Mais Médicos e abandonar à própria sorte milhões de brasileiros dos rincões mais distantes?
Por acaso, os senhores que pretendem cortar recursos do Ministério da Saúde lembram que o SUS é o maior programa de distribuição de renda do país, diante do qual o Bolsa Família não passa de uma pequena ajuda?
Diminuir os recursos do sistema único significa aumentar a concentração de renda que envergonha todos nós. Como disse Eugenio Vilaça Mendes, um dos sanitaristas que mais conhece o SUS: "A sociedade ainda não fez a opção definitiva sobre o nosso modelo de assistência à saúde. Dessa opção depende estabelecer o quanto estamos dispostos a pagar por ele".