É possível estudar História olhando apenas para aquilo que não aconteceu. A chamada "história contrafactual" projeta cursos alternativos que a História poderia ter tomado se este ou aquele evento tivesse se encaminhado para um desfecho diferente – Hitler vencendo a II Guerra, Getúlio Vargas morrendo de velho em São Borja.
Esse tipo de fabulação tem sido explorado com frequência também pela ficção. No romance Complô Contra a América (2004), por exemplo, o escritor americano Philip Roth imagina o que teria acontecido com os Estados Unidos se Charles Lindbergh, pioneiro da aviação e suposto simpatizante do nazismo, tivesse sido eleito presidente em 1940, dando início a uma versão local da perseguição aos judeus na Europa. (Não foram poucos os leitores de Roth, aliás, que nos último dias tiveram a sensação de que o livro, inventando um passado distópico sob um governo Lindbergh, acabou prevendo o futuro sob o governo Trump.) No Brasil, o escritor paranaense Miguel Sanches Neto fez algo parecido no romance A Segunda Pátria (2015), que mostra o que poderia ter acontecido por aqui se Getúlio tivesse abraçado oficialmente os ideais da Alemanha nazista.
Lançado nos Estados Unidos nesta semana, o romance 4321, do escritor americano Paul Auster, faz um curioso e intrincado exercício múltiplo de "história contrafactual". Com muitos traços autobiográficos, o romance, de mais de 800 páginas, propõe quatro trajetórias diferentes para um mesmo personagem, Archie Ferguson. Do nascimento, em 1947, em uma família americana de origem judaica, ao início da vida adulta, cada uma das suas versões registra experiências diversas na infância, na adolescência, no amor, nos esportes. Seus pais também se desdobram em quatro versões. Em uma delas, o pai de Archie morre cedo, na outra torna-se uma figura distante. Em uma das versões, o personagem é gay, nas outras três, não. Em todas as encarnações, porém, o personagem mantém um eixo comum: o sonho de tornar-se escritor.
Confrontada com diferentes escolhas feitas ao longo de uma vida, a maioria das pessoas talvez considere mais fácil imaginar versões contrafactuais daquilo que poderiam ter sido (e não foram) do que encontrar aquilo que, consideradas todas as variáveis externas possíveis, permaneceria exatamente igual – e essencial.