O julgamento de O.J. Simpson foi o primeiro reality show de impacto global. Durante oito meses, em 1995, espectadores do mundo inteiro acompanharam, eletrizados, os esforços da defesa e da acusação para convencer os jurados (e o público) de que a sua "narrativa" era, se não a verdadeira, pelo menos a mais convincente. Para a acusação, a tragédia anunciada do marido abusivo que, depois de vários episódios de violência doméstica, finalmente matou a ex-mulher e um amigo dela – deixando várias evidências do crime pelo caminho. Para a defesa, o drama do ídolo do esporte e do cinema, adorado pelos fãs, injustamente incriminado em um assassinato pela corrupta e racista polícia de Los Angeles.
Mesmo sabendo como o julgamento terminou (spoiler para os mais novinhos: O.J. Simpson saiu livre do tribunal), será difícil não voltar a ser fisgado por essa história nos próximos meses. O julgamento midiático do século está de volta em duas versões igualmente espetaculares: como minissérie, em The People v. O. J. Simpson: American Crime Story, disponível na Netflix desde o início de fevereiro, e como um documentário de oito horas favorito ao Oscar deste ano, O.J.: Made in America, que pode ser assistido no Brasil no serviço de streaming WatchESPN.
Tanto a minissérie quanto o documentário exploram a complexidade de uma trama com desdobramentos que ultrapassam o mero julgamento de um crime rumoroso. Tensão racial, violência doméstica, corrupção policial, manipulação dos fatos e espetacularização do noticiário, alguns dos temas que vieram à tona ao longo do processo, são assuntos ainda hoje muito atuais. E, se hoje parece chocante que aqueles jurados tenham tomado decisões tão importantes baseados mais na emoção do que nos fatos, somos obrigados a admitir que, no século 21, o tribunal da internet transformou a todos nós em jurados apressados e passionais do comportamento alheio.
Se o julgamento de O.J. Simpson tornou-se protótipo de um reality show, sua trajetória de glória e infâmia lembra a mais famosa tragédia de ciúme de todos os tempos, Otelo. Em muitos aspectos, mas não no desfecho. No final da peça de Shakespeare, Otelo admite ter "amado demais com sabedoria de menos" e se mata. Orenthal Simpson, por sua vez, nunca admitiu publicamente sua culpa. Em 2007, foi preso depois de invadir um hotel para roubar peças de memorabilia esportiva, mas pode sair da prisão ainda neste ano.