Quem trai nunca diz toda a verdade. Esta é a verdade que não se comenta. Ele conta somente parte da história, a parte mais inofensiva, mais aceitável do envolvimento paralelo.
Há uma edição da narrativa para evitar conflitos maiores e constrangimentos morais. O infiel não esclarece quantas vezes saiu com o outro, quantas viagens bancou, quantos passeios realizou, quantos programas românticos executou na surdina, quantos presentes ofereceu, quantas confissões partilhou, onde se encontravam e em quais horários.
Não descreve minúcias e detalhes da escapada. Mal fala da terceira pessoa. Mantém os rumores sufocados no silêncio.
Se tudo fosse dito de uma vez por todas, o ódio conheceria uma única explosão, um único surto, uma única catarse. Mas, na infidelidade, você desmascara a farsa aos poucos, por capítulos. Por isso que dói tanto.
perde gradualmente a cumplicidade, a admiração, a amizade e, no fim, não sobra nem o respeito.
O chifre não é apenas uma coroa do deboche, um adorno do desastre que se coloca na cabeça: suas pontas serão fincadas em sua pele devagar, em sua alma lentamente, com sucessivas incisões e desdobramentos, fazendo uma cicatriz irreversível.
É como ter a sua casa furtada. A cada dia, vai descobrindo mais um objeto que sumiu, mais um sentimento que foi subtraído de seu lar.
É sempre algo a mais que se leva do patrimônio emocional da relação, e você se desespera de raiva, por não acreditar em monumental desdém e frieza.
É sempre mais uma mentira que você desvenda no decorrer dos fatos.
Viverá abastecido por uma rede de informantes arrependidos ou culpados pela sua tristeza.
Um amigo ou um colega próximo adicionará um elemento, uma cena dos amantes, uma situação da duplicidade, de que você não desconfiava.
A sensação é que todo mundo sabia do que estava ocorrendo nos bastidores, menos você. O que aumenta a sua perplexidade diante da dissimulação do parceiro, transformando o que era intimidade em completa estranheza, a ponto de questionar: “com quem eu vivi até agora?”.
Depois da infidelidade, não é possível ficar junto. Exige-se no mínimo um tempo longe para ver o tamanho do estrago.
Não contar que traiu tampouco salva o casamento. Só vai adiar o fim certo e líquido.
A infidelidade não prescreve.
Pode-se esconder a verdade por cinco anos, por dez anos, por vinte anos. Quando ela vier à tona, a dor não terá esfriado, a vergonha não será esquecida, a injúria não será perdoada.
Não importam o tamanho da convivência depois do caso, as alegrias que surgiram posteriormente, as conquistas mútuas. Assim como não faz diferença se a infidelidade foi um flerte de uma noite ou uma aventura demorada.
Ninguém aguenta ser enganado.
Em Nápoles, na Itália, um idoso de 99 anos decidiu se divorciar de sua mulher de 96 anos, após 77 anos de matrimônio. Ele localizou cartas de amor escondidas num gaveteiro antigo, e ela confirmou um romance secreto nos anos 40.
O desamparo da traição não tem idade.