Num hotel em Florianópolis, eu me assustei ao descer do quarto para o café da manhã. Havia vários hóspedes com uma touca. E não se importavam de se mostrar com tal aparência em público, a de prestes a entrar numa ducha no inverno.
O que me impressionou não foi a touca em si, mas a naturalidade deles com a touca. Faziam seu desjejum tranquilamente, como se estivessem devidamente arrumados.
Eu me senti um alienígena entre eles. Será que era um costume acordar de touca em Floripa? Não se tratava de um gorro ou boné, mas touca mesmo, cheia de presilhas — ou algo que não identificava direito — por baixo dela.
Não quis ofender ninguém com perguntas. Eu me calei por educação. Esperei o dia seguinte, e a cena se repetiu. Só existiam pessoas com touca circulando entre as bandejas de frutas, ovos mexidos e pão de queijo.
No momento do checkout, descobri que aquele hotel servia de spa para transplante capilar. Funcionava como uma área comum de reabilitação após a cirurgia que reorganiza as unidades foliculares.
Eu invejo esses esperançosos que defendem a moldura do rosto, lutam até o fim pelo fio dos seus cabelos. Até depois do fim, eu completaria.
Realmente, hoje é mais fácil combater a calvície. São inúmeros tratamentos modernos e indolores com rápida recuperação. Não é necessário, como na época da minha infância, nos anos 70, recorrer a perucas.
O médium Chico Xavier, por exemplo, tinha uma porção delas. Na casa do líder do espiritismo em Uberaba (MG), transformada num museu, o artefato chama atenção entre seus itens pessoais.
Mas ele não colocava a peruca por vaidade, característica que não combinaria em nada com a sua simplicidade cativante e popular, e sim para evitar crises de sinusite. Atendia aos propósitos de escudo, para se defender do vento ardiloso durante o amanhecer e o entardecer. Tanto que, na velhice, adotou as boinas e dispensou as madeixas artificiais.
Jamais tive esse dilema. Assim que vi que meus cabelos não iriam mais crescer, decidi raspar a cabeça. Cortei o bem pela raiz. Então, nem sofri com a calvície, não me desesperei em tapar os buracos com a franja, não besuntei as mechas ralas com gel para moldá-las e ocupar os espaços vazios, muito menos gastei fortunas com métodos alternativos e paliativos que não vingavam no meu tempo. Representou uma escolha pelo deserto. Quanto mais cedo sem telhado, mais cedo eu me acostumaria a viver a céu aberto.
O que posso garantir é que os carecas modificam sua maneira de enxergar o cotidiano. Têm uma percepção acima do normal, com os sentidos apurados. Eles são, por exemplo, meteorologistas passivos, os primeiros a reconhecer que está chovendo. Não precisam nem confirmar a chegada da chuva com a profusão de gotas na superfície das águas. Recebem os pingos gelados antes de todos.
A resiliência dos calvos também é extraordinária. Eles se batem ou se machucam sem perceber. É tradição acordar com um arranhão amnésico na testa. Não me lembro de qualquer incidente, de ter me ferido numa quina de porta de armário ou fracassado ao escapar de um obstáculo. Eu me encontro sempre anestesiado a choques.
Minhas manhãs são feitas de prestação de contas à esposa, que identifica alguma nova ferida e me pergunta o que aconteceu com a minha cabeça.
Juro que não sei o que acontece com a minha cabeça desde que fiquei careca. Ela não é mais minha, mas do mundo. Sou uma antena da sensibilidade. Ou da senilidade.