O nome dele é complicado de ser dito, mas não há produtor de kiwi em Farroupilha que não saiba quem é o Ceratocystis Fimbriata. Nos últimos anos, o fungo tornou-se um dos principais responsáveis por devastar plantas dos kiwizeiros e, de quebra, tirar um título ostentado pelo município durante anos, o de capital brasileira do kiwi. Ainda sem cura encontrada, a doença tem avançado cada vez mais sobre a área plantada e ameaça o futuro da cultura no município e em toda a região da Serra.
Do auge da produção, em 2011, até o momento, o espaço cultivado diminuiu 26%, conforme dados da Emater. Ou seja, de cada quatro hectares com pomares, um morreu. Responsável por colher 41% de toda a fruta gaúcha, Farroupilha é a mais afetada, mas não a única. Quase todo concentrado na Serra, o cultivo no Rio Grande do Sul reduziu de 328 para 260 hectares nas três últimas safras.
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A dificuldade para sanar ou minimizar o problema vem desmotivando os agricultores do município. Em uma década, o número de produtores de kiwi foi reduzido em um terço. Desde 2008, 40 desistiram da variedade.
– O produtor está perdendo a planta (de kiwi) e não está replantando. Cerca de 5% da área (com a fruta) está se indo a cada ano. Há desestímulo entre os produtores – afirma Marcos Cambruzzi, engenheiro agrônomo da Emater de Farroupilha.
Que o diga o agricultor Geraldo Mugnol, que, nos últimos cinco anos, viu mais da metade dos seus cinco hectares de kiwi serem dizimados pela doença. Um dos precursores do cultivo na cidade, ao lado do irmão Juscelino, Mugnol desistiu da cultura, por não haver perspectiva de solução no curto prazo. Atualmente, apenas faz a manutenção dos vegetais vivos.
– Uma planta vai contaminando a outra. Pelo rápido avanço da doença, em dois ou três anos não vai sobrar mais nada – lamenta Geraldo.
Agricultores investem em cultivos alternativos
O agricultor chegou a colher cem toneladas da fruta ao ano, mas na última safra obteve apenas 20. Com o fim iminente da plantação, Mugnol pensa em apostar na uva, já que a estrutura de plantio é semelhante à do kiwi.
Há mais de 20 anos investindo na cultura kiwizeira, Sérgio Bohm relata que não há um único produtor de Farroupilha que tenha escapado dos problemas relativos à mortandade dos pomares. Na sua propriedade, dois dos cinco hectares da fruta foram atacados pelo Ceratocystis Fimbriata, que costuma corroer as plantas em poucos meses. Nos três hectares ainda saudáveis, colheu apenas cem toneladas na atual safra, um terço a menos do que obtinha em temporadas anteriores.
– A tendência é diminuir mais. Acho que a cultura morrerá, a não ser que venham variedades novas – projeta o produtor.
Com outros três familiares, Bohm criou uma associação para comercializar a fruta em grupo. Antigamente, entregavam mais de 400 toneladas ao mercado. Agora, o volume está na casa das 200 toneladas.
Em meio ao pessimismo generalizado, o agricultor Claudino Contini prefere pensar de maneira positiva. Ele ressalta que o kiwi é uma fruta boa para se trabalhar, já que dispensa o uso de substâncias químicas pesadas na produção. Mesmo que tenha perdido metade dos seus quatro hectares de pomares, confia que será encontrada a cura para a doença.
– Tem que ter paciência e persistência. Não existe problema nesse mundo que não tenha solução. E não vai ser o kiwi que não terá remédio. Eu ainda acredito, vou até onde for possível – afirma Contini.
Concorrência acirrada com frutas importadas
Não bastasse a dificuldade enfrentada no plantio de kiwi, os agricultores de Farroupilha também precisam driblar a concorrência dos importados. Segundo estimativa da Embrapa Uva e Vinho, 70% da fruta consumida no Brasil vem do Exterior. Países como Chile, Itália e Nova Zelândia estão entre os maiores produtores mundiais e, por tabela, acabam abastecendo o mercado brasileiro.
– Não é só a doença que está matando o kiwi, os importados também. Estão chegando aqui muito baratos. O nosso tem um custo de produção em torno de R$ 0,80 por quilo, enquanto o importado chega aqui a R$ 1 o quilo – compara o produtor farroupilhense Celito Contini.
O preço médio de venda praticado pelos produtores de Farroupilha aos intermediários varia entre R$ 1 e R$ 2,50 por quilo, dependendo da variedade e também da oferta e a demanda existente a cada safra.
Na cidade, há pomares de oito variedades, sendo bruno e elmwood as que têm maior área plantada. A fruta chilena é a principal concorrente. Por conseguirem margem de lucro maior no importado, revendedores preferem a fruta que vem de fora, pois acaba sendo mais atrativa financeiramente do que a nacional.
Enquanto o consumidor encontra a fruta gaúcha por R$ 5 ou R$ 6 o quilo, a estrangeira pode ser vista por até R$ 15 o quilo. Diante desse contexto, os agricultores têm encontrado problemas para escoar a produção.
– Houve pouca procura pelo kiwi neste ano. É um mercado já meio estragado, a realidade é essa – observa o produtor Sérgio Bohm.
Em 2017, cerca de 1,5 mil das 3,6 mil toneladas da produção do Rio Grande do Sul vieram dos kiwizeiros de Farroupilha. Mesmo que distante do obtido na fase áurea da cultura, o resultado é considerado positivo. Isso porque, no ano anterior, devido ao clima, principalmente à geada, foram colhidas apenas 500 toneladas no município.
Pesquisadores buscam solução
Ninguém sabe ao certo como o fungo Ceratocystis Fimbriata começou a atacar os pomares de kiwi de Farroupilha, tampouco existe alguma perspectiva imediata de cura para a mortandade de plantas provocada por ele. O vilão dos kiwizeiros, que também foi visto em outras plantações no sul do Brasil, apareceu de maneira discreta e rapidamente avançou sobre a área plantada. Quando se deram conta de que aquela era uma doença atípica, muitos produtores já contabilizavam perdas significativas nos pomares.
No ano passado, um grupo de pesquisadores de diversas instituições começou a investigar possíveis soluções para o combate ao fungo. Comandada pela Embrapa Uva e Vinho, a iniciativa ainda conta com a participação de entidades rurais, universidades, setor público e empresas. Levantamento inicial mostra que o fungo começou a aparecer nos kiwizeiros farroupilhenses em 2009. Agricultores da região, no entanto, contam que a doença passou se alastrar com força pelos pomares há cerca de cinco anos. E nenhum dos tipos plantados na cidade ficou ileso.
O pesquisador da Embrapa Uva e Vinho Samar Velho, que lidera o estudo, classifica como "grave" a situação da cultura em Farroupilha. O pesquisador lembra que já houve incidência do mesmo fungo em áreas de manga e eucalipto. Nessas culturas, o aperfeiçoamento genético foi o que equacionou a questão.
– O kiwi está ameaçado. Esses pomares tendem a deixar de existir, ainda vai morrer muita planta. É possível que depois a cultura ressurja, com um novo nível de tecnologia – analisa Velho.
Fenakiwi chega à última edição
Em meio às dificuldades enfrentadas pelos produtores de kiwi em Farroupilha, uma das principais vitrines da fruta se despedirá do público em 2017. A Festa Nacional do Kiwi (Fenakiwi) chegará à sua 22ª e derradeira edição. O evento, que começa em 20 de julho e vai até 6 de agosto, será o último com este formato. A ideia da prefeitura é, a partir do próximo ano, fazer uma festa multissetorial, ainda sem detalhes.
A nova feira tende a ser uma espécie de mostruário da diversidade da produção de Farroupilha. Nesta nova estrutura, o kiwi deverá ter seu espaço, mas não será mais protagonista.
Além da perda de pomares nos últimos anos, outros fatores pesaram para a decisão de dar um ponto final à Fenakiwi. Entre eles, o fortalecimento da uva moscatel e a própria diversificação do perfil da economia local, que passou a contar com uma série de indústrias nas últimas décadas. Para completar, o município perdeu o título de capital brasileira do kiwi. Farroupilha ficou para trás e, agora, a dona dessa marca é Campo Belo do Sul, em Santa Catarina.
– Enquanto a doença diminuiu a produção de kiwi, tivemos um crescimento muito grande na uva. Hoje, somos o maior produtor de uva moscatel do Brasil. O nosso negócio, em termos de agricultura, mais do que nunca é a uva. Como o kiwi perdeu esse espaço, achamos que é hora de dar à uva essa grandeza de novo – aponta Claiton Gonçalves (PDT), prefeito de Farroupilha.