Badaladas cadenciadas rompiam o silêncio ao redor da Paróquia Santo Antônio, em Santo Antônio da Patrulha, no começo da tarde desta quarta-feira:
- Essa badalada é diferente das outras, que são festivas. Nós chamamos de choro do sino - explica o Padre Ozeas Vieira dos Santos, responsável pela Paróquia.
Quem são as seis vítimas fatais do acidente de ônibus em Glorinha
Dentro da igreja, o motivo das lágrimas sonoras que pendiam dos sinos da paróquia se destacava pela ausência de ruídos. Conhecida por todos como Irmã Cláudia, Irma Maria Christ, 81 anos, era velada no local desde o começo da manhã. Ela é uma das seis vítimas fatais do acidente com um ônibus da Unesul, ocorrido na tarde da última terça-feira na ERS-030, em Glorinha (veja no infográfico abaixo).
Dos quase 60 anos de vida religiosa, mais de 30 foram dedicados à comunidade de Santo Antônio da Patrulha, onde ela fundou a Pastoral da Criança, primeira da região. À época proprietária de um Fusca com o qual percorria o litoral para visitar famílias pobres, chegou a ser apelidada de "Irmã do Fuca".
Irmã Cláudia deixou o carro, mas seguiu trabalhando com afinco nas causas religiosas. Além das atividades em busca de alimento e roupas para as crianças pobres, que marcaram sua trajetória, coordenava o clube de mães da paróquia e atuava como orientadora de missionárias.
- Ela era muito independente, gostava de notícias, sabia tudo o que estava acontecendo no mundo - lembra a Irmã Felicitas Loebens, colega de Irma na paróquia.
Religiosa superou câncer de pulmão
O velório de Irmã Cláudia não só acordou o sino da igreja como multiplicou as missas realizadas na Santo Antônio. O local, que costuma celebrar cinco por semana, realizou três em um único dia. A última delas, antes do enterro, foi celebrada pelo bispo de Osório.
A dedicação da religiosa à comunidade foi proporcional a sua estima: cinco coroas de flores e diversos vasos rodeavam o caixão posicionado em frente ao altar da paróquia. Dezenas se revezavam na despedida.
Crédito: Diego Vara/Agência RBS
Com a saúde sob constante monitoramento em função de um câncer de pulmão descoberto anos atrás, ela tinha ido a Porto Alegre, no dia do acidente, para um exame de rotina. Ao chegar no hospital, porém, descobriu que o procedimento não tinha sido autorizado. Retornou antes do previsto no pinga-pinga que costumava evitar, acompanhada de Irmã Blandina, sua colega de paróquia. Uma das únicas passageiras do ônibus que usava o cinto de segurança no momento em que o coletivo tombou na rodovia, Blandina teve apenas ferimentos leves.
A morte de Irma mobilizou a comunidade religiosa para além dos limites da Paróquia Santo Antônio. Padres de vários locais, membros da Pastoral da Criança de diferentes municípios e até religiosas que atuam em outros Estados foram prestar as últimas homenagens à religiosa. Colega de Irma anos atrás, a Irmã Nair Caberlon lembrou um fato curioso:
- Eu sempre acompanhava ela no médico para fazer quimioterapia. Quando o tratamento acabou, ele disse: "o que tem no seu pulmão tem o tamanho da cabeça de um alfinete. É mais fácil a senhora morrer de outra coisa" - conta a religiosa, que hoje vive em Santa Catarina.
Ônibus estava a mais de 100 km/h, dizem policiais
Se o acidente que levou Irmã Cláudia da convivência da comunidade pegou a todos de surpresa, a organização e o cuidado que dedicava aos assuntos relacionados a sua vida religiosa se mostrou constante mesmo após sua partida. Ao entrar em seu quarto para procurar um documento, Irmã Felicitas deparou com uma bolsa com os pertences da colega, posicionada em canto do dormitório.
- Ela ia viajar para um evento da pastoral em Curitiba na quinta-feira. E a mala já estava ali, prontinha.