O esqueleto descoberto em uma parte remota de Bornéu, uma ilha do sudeste asiático, reescreve a história da medicina antiga e revela que a primeira amputação bem-sucedida foi realizada há 31 mil anos, de acordo com um estudo.
Até agora, a evidência mais antiga de tal intervenção, descoberta em 2010 em um sítio neolítico na França, datava de 7 mil anos. No caso francês, ocorreu a amputação do braço de um homem. A confirmação de que o procedimento foi bem sucedido se deu pela análise de seus ossos, que revelou sinais de cicatrização.
Os cientistas concordam que as primeiras práticas médicas estão ligadas à revolução neolítica há cerca de 10 mil anos, quando a agricultura e a sedentarização levantaram problemas de saúde anteriormente desconhecidos.
Mas a descoberta de restos humanos antigos de pelo menos 31 mil anos, na parte indonésia de Bornéu, modifica essa visão ao revelar que os caçadores-coletores já praticavam a cirurgia. A descoberta "reescreve nossa compreensão do conhecimento médico", explicou o paleontólogo Tim Maloney, da Universidade Griffith, na Austrália, que liderou o estudo publicado na revista Nature.
Os ossos foram encontrados em 2020 na gruta de calcário de Liang Tebo, conhecida por suas pinturas rupestres. Entre os inúmeros morcegos, andorinhas-do-mar, andorinhões e até alguns escorpiões que habitavam o local, os paleontólogos retiraram delicadamente as camadas sedimentares e encontraram a sepultura do esqueleto notavelmente preservado.
Corte oblíquo
O corpo encontrado, apesar de preservado, não tinha o tornozelo e o pé esquerdos. A ponta do osso restante da perna mostrava um "corte nítido e oblíquo, que você pode ver olhando através do osso", disse Tim Maloney em entrevista coletiva.
Essa aparência teria sido menos regular se a amputação tivesse sido causada por uma queda ou ataque de um animal. Portanto, tudo indica que não foi uma amputação acidental, mas uma verdadeira opção médica.
Ainda mais surpreendente: o paciente, que morreu com uma idade estimada de 20 anos, parece ter sobrevivido entre seis e nove anos após a operação, com base em sinais de cicatrização óssea, observáveis ao microscópio.
Também é improvável que a amputação tenha sido realizada como punição, já que o paciente que passou pelo procedimento parece ter recebido um tratamento completo após a cirurgia. "Isso supõe um conhecimento profundo da anatomia humana, do sistema muscular e vascular", analisa o estudo.
As pessoas que operaram o jovem tiveram que "limpar, desinfetar e cobrir regularmente a ferida" para evitar sangramento ou infecção pós-operatória, que poderia causar a morte.
O estado físico do jovem amputado, deficiente e dependente, provavelmente obrigou os que o cercavam a cuidar dele por seis a nove anos, o que revela um comportamento altruísta nesse grupo de caçadores-coletores.
— (Essas descobertas) fornecem uma nova visão dos cuidados e tratamentos que foram oferecidos em um passado muito distante e modificam nossa visão de que essas questões não foram levadas em consideração na pré-história — disse Charlotte Ann Roberts, arqueóloga da Universidade britânica de Durham, em comentário que acompanha o estudo.
* AFP