Segurança

"Sempre aberto"

Ao longo das décadas, albergues construídos e destruídos no Estado

Tentativa de erguer novas casas prisionais para gerar vagas naufragou em diferentes governos

José Luís Costa

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Cid Martins

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Renato Dornelles

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Fábio Almeida

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Casa do Albergado Pio Buck, na Capital, foi reformada mas mesmo assim não reabriu as portas

Pressionada pela falta de vagas – em evidência até hoje –, a então governadora Yeda Crusius (2007 a 2010) mandou construiu em 2010 três albergues – dois em Charqueadas, junto ao Instituto Penal e à Penitenciária Estadual do Jacuí, e o terceiro, anexo à Colônia Penal de Venâncio Aires.

Além disso, lançou um projeto que chamou de "novo paradigma", erguendo seis unidades emergenciais na Região Metropolitana na tentativa de zerar o déficit de vagas no semiaberto.

Mas o novo paradigma não parou em pé. Pavilhões com material semelhante a fibra plástica e grades fixadas com rebites vieram abaixo, destruídos ou incendiados pelos presos ou mesmo derrubados por vendavais. O único prédio sobrevivente, no terreno do Instituto Penal Irmão Miguel Dario, em Porto Alegre, jamais foi ocupado por falta de redes de água e de luz.

A crise só aumentava, e juízes de varas de execuções começaram a mandar milhares de presos do regime aberto para casa. A medida estava amparada em decisão de tribunais superiores que preconizava a transferência de preso para regime mais brando quando não há vaga no regime de origem. Mas a iniciativa judicial não surtiu efeito, e os albergues seguiram abarrotados.

No prédio antigo da Colônia Penal Agrícola em Venâncio Aires, grades eram fixados às janelas com pedaços de cordas e trapos de lençol, e um galpão servia de depósito de bananas de dinamite usadas para explodir cofres de bancos e caixas eletrônicos. No pátio da colônia, presos ao invés de plantar frutas e legumes enterravam inimigos, assassinados em brigas. Foram pelo menos 11 execuções em três anos em Venâncio Aires. Presídios gaúchos chegaram a registrar a morte de um detento a cada três dias.

Na Região Metropolitana, o Instituto Penal de Viamão, o único estabelecimento penal aberto pelo governo de Germano Rigotto em quatro anos (2003 a 2006), ganhava destaque como campeão da anarquia. Apenados saiam para roubar, trocavam tiros nas ruas e voltavam a hora que queriam. O albergue virou moradia para sem-teto, motel para prostitutas e boca de fumo para viciados da cidade – um preso teria uma plantação de maconha nos fundos do terreno. Acuados, servidores se trancaram no setor administrativo e colocaram placas de ferro nas janelas para proteção contra balas perdidas durante tiroteios.

Prisão domiciliar vira alternativa

Sob efeitos de uma crise financeira que viria à tona anos depois, o governo de Tarso Genro (2011 a 2014) dependia da boa vontade de Brasília para tocar obras, contando, principalmente, com o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci).

Criador do programa quando era ministro da Justiça no governo Lula, Tarso pouco se beneficiou do Pronasci como governador porque a gestão de Dilma cortou verbas do programa pela metade.Em 2012, o déficit nos albergues já ultrapassava 1,4 mil vagas apenas na Região Metropolitana, e a Justiça passou a admitir a prisão domiciliar também para presos do semiaberto.

A liberação teve reflexo imediato na segurança pública no Rio Grande do Sul. Mais apenados livres, mais crimes nas ruas. Como reação, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) anunciou novas vagas. Construiria três albergues ou, em último caso, alugaria prédios. Não aconteceu nenhuma coisa nem outra.

Menos de 10% dos presos estava nas empresas que os contratou

Após obter com a Justiça uma lista com nomes de presos que têm autorização para trabalhar, encontrar os apenados do semiaberto que cumprem pena no Instituto Penal de Gravataí Santos e Medeiros no estabelecimento comercial por meio do número de telefone da empresa não é tarefa fácil.

Em 38 ligações feitas pela reportagem, apenas um estava presente e dois deram retorno em até meia hora. Nos demais casos, os apenados não estavam.

Na maioria das situações, a pessoa que atendeu o telefone alegou que os detentos estavam realizando serviço externo ou que trabalhavam em outro prédio.Em um dos casos mais curiosos, a atendente, talvez por esquecer de deixar o telefone no modo de espera, realizou uma ligação com outro telefone. Foi possível ouvir a voz dizendo:

“Vou dizer que estás com o fornecedor, como motorista”. No dia seguinte, a mesma voz alegou: “Ele foi liberado mais cedo. Estamos sem luz”.

Em situação semelhante, mas em outro local, a pessoa que atendeu o telefone solicitou: “Só um momentinho, por favor”.

Após uns 10 segundos de silêncio total, ela prosseguiu: “É que ele está debaixo de um caminhão”. Cerca de meia hora depois, o próprio apenado retornou a ligação.Em outras duas situações, quem atendeu o telefone disse que não conhecia o apenado.

Em seguida, alegou que lembrara de quem se tratava, mas que a pessoa estava realizando um trabalho na rua. Por cinco momentos, em mais de uma tentativa de contato, em horários e dias diferentes, o telefone chamou até cair na caixa postal. Em outros dois, uma mensagem informava que o número era inexistente.

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