A determinação de proteger as crias não se restringe a algumas espécies. Pelo contrário, é um elo de identidade das fêmeas, sejam elas ratas, leoas, serpentes ou mulheres. E do que elas são capazes para proteger a prole, todos sabemos. Atribuir essa atitude a um instinto já foi considerado um sofisma de origem cristã, estimulado por um romantismo conveniente aos preceitos religiosos de proteção familiar.
Mais modernamente, a ciência tem buscado explicações para este comportamento padrão, inclusive na genética, depois que se demonstrou que a remoção de um determinado pro gene, em animais de laboratório, modificou o comportamento de fêmeas que descuidavam de suas crias, permitindo que morressem de frio e fome. Antevê-se, no futuro, a perspectiva de que mães atualmente consideradas desnaturadas possam ser vistas apenas como doentes, que mereçam compreensão e tratamento específico.
Talvez por esses compromissos com a preservação da espécie, todas as estatísticas, independentemente da etnia, demonstram que as mulheres vivem em média até 10 anos mais do que os homens (será por isso que nunca se ouviu falar em excursão de viúvos?). Uma ONG ligada a Johns Hopkins University, que monitora as pessoas centenárias mundo afora, chamou a atenção para o fato de que 80% dessas longevas são mulheres.
E um estudo recente da Universidade de Boston observou que as mulheres que engravidam depois dos 40 anos têm quatro vezes mais chance de chegar aos cem anos.
Na medida em que as pesquisas avançam, a visão romântica do papel da mãe, eternizada no zelo pelos filhos, começa a ceder espaço para o entendimento bioquímico: provavelmente a gravidez e depois o aleitamento, com a reconhecida profusão de hormônios e mediadores neuroquímicos, característica dessas fases, sejam responsáveis por um possível retardo no processo de envelhecimento, e também por contrabalançar deficiências cognitivas relacionadas com a menopausa e, com isso, proteger melhor o cérebro e conduzir à longevidade.
O mais interessante é que uma vez estimulado pelos hormônios e mediadores citados, o comportamento materno diminui sua dependência deles: a simples presença do filho se mostra suficiente para mantê-lo. Exames do cérebro de ratas em época de aleitamento mostram que ocorre ativação de uma área cerebral conhecida como núcleo acumbens, na qual se integram neurônios encarregados das sensações de reforço e de recompensa, mecanismos semelhantes aos envolvidos na dependência de drogas. Curiosamente, ratas tornadas dependentes de cocaína, quando colocadas diante do dilema da escolha entre a droga e a amamentação dos filhotes recém-nascidos, dão preferência às crias.
O Eduardo é psiquiatra e administra um lar de velhos, vários dos quais apresentam Alzheimer. Contou-me que, um dia desses, uma avozinha em fase adiantada da doença, com períodos frequentes de agitação, encontrou uma boneca e passou a acariciá-la, acalmando-se completamente. Dias depois, quando voltava do banho, descobriu que a vizinha de poltrona se apossara do brinquedo e se negava a devolvê-lo.
Na discussão desconexa que se instalou, interveio uma terceira senhora que alegou que ela, sim, era a dona da boneca, e que "passassem para cá".
A balbúrdia só se resolveu quando cada uma recebeu um protótipo para cuidar. Vê-las assim reanimadas na fantasia de proteger filhos imaginários levantou a questão: em que desvão do ainda insondável labirinto cerebral se refugiou o instinto materno, de modo que nem uma doença tão devastadora consegue alcançá-lo?