Ilustração Edu Oliveira/Agência RBS
*J.J. Camargo é cirurgião torácico e chefe do Setor de Transplantes da Santa Casa de Misericórdia e presidente da Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina (ASRM)
O medo do desconhecido é consensual. Poder dividi-lo com alguém, uma maneira recomendada de atenuá-lo. O desespero do Vilamir, nosso primeiro transplantado de pulmão, por não ter com quem compartilhar, chegou ao ponto de pedir para conhecer, ao menos, um cachorro transplantado. Atualmente, 443 transplantes depois, diante de um candidato amedrontado, não há nenhuma explicação médica que substitua o encontro com um paciente que, diante da mesma doença, logrou a felicidade de voltar a respirar sem dar-se conta.
E nos encontros de fim de ano, que congraçam transplantados e pretendentes, é sempre comovente este intercâmbio. Há três anos, o Anísio, um transplantado há mais de 12 anos, começou sua fala dizendo: "Hoje de manhã, estava caminhando na praia, lá em Imbé, e recebi uma chamada da secretária Kelly, nosso anjo da guarda, pedindo que viesse contar alguma coisa boa na reunião anual. Fiquei meio atrapalhado porque não sou homem de muitas palavras, mas queria pedir que vocês façam tudo o que os médicos recomendam e não desistam de acreditar. E, se Deus quiser, vocês vão conseguir e, quem sabe, a gente ainda vai correr juntos lá na minha praia".
Para a turma do oxigênio, esta proposta era quase inconcebível. Alguns fungaram, outros suspenderam a precária respiração por um tempo, todos foram tocados, e o depoimento seguinte foi atrasado à espera da recomposição emocional do grupo.
Um dia desses, na reunião da Liga de Transplantes da Santa Casa, os estudantes recrutaram para depor a Liége, uma jovem transplantada de pulmão há dois anos, que relatou a sua via-crúcis, desde o diagnóstico de fibrose pulmonar, descoberta por um pneumotórax, numa fase em que a doença não causava nenhuma limitação, passando pela necessidade de transferir sua atividade de personal trainer para o térreo porque as escadas ficaram intoleráveis, até a fase mais crítica depois de quatro anos, quando o banho passou a ser uma tortura. Descreveu a impossibilidade de curvar o corpo e o quanto isso trazia a sensação aguda de sufocação. Neste estágio, banhava-se de três em três dias, e em pé ensaboava apenas onde as mãos alcançavam. Para o resto do corpo, deixava a água escorrer.
Muito estimulante vê-la contar que, depois de dois meses do transplante, reassumiu seu trabalho na plenitude e nunca mais sofreu qualquer restrição com o fôlego milagrosamente novo. Mas quando o relato começou a ter solavancos de comoção, nada impressionou mais do que a descrição do seu primeiro banho, ainda no hospital: "Fiquei tão emocionada de poder lavar as minhas pernas que não resisti e chorei sozinha no chuveiro. Depois, quando saí, contei aos meus pais e choramos juntos!".
O sofrimento crônico faz isso mesmo: quando as grandes coisas se tornam inalcançáveis, aprendemos a alegria das pequenas. E não se discute tamanho quando aquilo é tudo o que temos.