A maca vazia em um dos corredores indica que não há pacientes sendo assistidos na Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) de Farroupilha. Mais do que isso, envolta em plástico e pedaços de papelão, ela demonstra nunca ter sido usada. É que, no dia 31 deste mês, o prédio completará dois anos sem ter recebido nenhum doente.
O caso foi mostrado no Fantástico do último dia 30 de setembro em reportagem da série O Brasil que eu Quero, a partir do depoimento de uma moradora que manifestou o seu desejo de que o serviço fosse aberto à população. Mas o imbróglio envolvendo a unidade começou há bem mais tempo, em 2010, quando o município manifestou interesse ao governo federal de receber uma UPA. Se consideramos essa data, lá se vão oito anos de impasses, falta de recursos e burocracia que deixaram ainda mais distante o caminho entre a comunidade e um novo serviço de saúde pública.
O prédio fica na Rua Armando Antonello, no bairro São Luiz. O interior guarda caixas de equipamentos, mobiliário e está com toda a estrutura para dar início às atividades, como redes de água e luz. Mas ainda mantém as portas fechadas. Algumas peças são usadas como depósito de materiais novos – mesas, cadeiras, poltronas e carrinhos para utensílios. Outras guardam cadeiras de rodas usadas que seriam reaproveitadas pelo serviço. Em uma sala ampla estão dispostas grandes caixas nas quais estão as partes de um equipamento de Raio X.
Segundo a secretária de Saúde, Rosane da Rosa, assim como a população, a prefeitura também deseja colocar a unidade para funcionar o quanto antes. O problema é que no ano passado, um ano depois do prédio ter sido entregue, a administração percebeu que os cofres públicos municipais não dariam conta de custear, ao mesmo tempo, o único hospital que atende pelo Sistema Único de Saúde (SUS) na cidade e também a UPA.
Diante do cenário, a prefeitura teve de escolher qual o serviço iria ajudar a manter. Escolheu o hospital. A alternativa para aproveitar o prédio foi solicitar ao Ministério da Saúde cessão de uso para poder implantar no local outro serviço também na área da saúde (leia mais abaixo). Só depois o município poderá lançar uma licitação para definir a entidade que deverá administrar o novo serviço.
– Enquanto isso, não podemos mexer no prédio. Está nos atrasando, porque já queríamos ter avançado (no novo projeto). Não queremos deixar a unidade fechada – desabafa a secretária.
De acordo com Paulo Azeredo Filho, assessor técnico da Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) na área da saúde, que atua na questão junto ao ministério, o Decreto Presidencial 9.380, de 22 de maio deste ano, autorizou que as estruturas sejam utilizadas para finalidade diferente da original, desde que na área da saúde. Porém, falta a publicação de uma portaria que regulamentará o decreto dando as diretrizes aos municípios. No Estado, são sete UPAs em situação semelhante a de Farroupilha.
O Pioneiro entrou em contato com o Ministério da Saúde, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição.
ENTENDA O CASO
:: Em 19 de outubro de 2010, o município de Farroupilha se candidatou junto ao Ministério da Saúde para receber uma Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) de porte 1.
:: A cidade foi contemplada em 28 de julho do ano seguinte, mas as obras só iniciaram em maio de 2014 em função de uma mudança no local. Inicialmente previsto para ser erguido junto ao Hospital São Carlos, o prédio acabou sendo construído na Rua Armando Antonello, no bairro São Luiz.
:: A obra custou em torno de R$ 1,9 milhão e foi entregue em 31 de outubro de 2016.
:: Com capacidade para atender 150 pessoas por dia, à época, a unidade era a aposta do município para desafogar o Hospital São Carlos.
:: Porém, em outubro de 2017, a prefeitura identificou a inviabilidade de colocar a UPA em funcionamento, tendo em vista que os valores pactuados com a União e Estado se defasaram ao longo do tempo e somariam cerca de R$ 200 mil mensais, menos de um terço do valor necessário para manutenção do serviço estimado em R$ 700 mil/mês.
:: No mesmo mês, o município informou o desejo de utilizar a estrutura para outra finalidade, um centro de diagnóstico de câncer, a um consultor técnico do Ministério da Saúde, em reunião na Federação do Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), em Porto Alegre.
:: No final de 2017, a prefeitura encaminhou documentação à Coordenação Nacional das Urgências e Emergências do ministério, mas precisou complementar os documentos no início deste ano.
:: O decreto presidencial 9.380 de 22 de maio deste ano, autorizou que as estruturas sejam utilizadas para finalidade diferente da original desde que na área da saúde.
:: Atualmente, o município espera a publicação de uma portaria que regule o decreto. Sem isso, não pode utilizar o prédio.
:: Após as conformações, a prefeitura dará andamento ao processo de licitação que escolherá a empresa ou entidade que administrará o serviço do centro de diagnóstico de câncer.
:: Os equipamentos guardados no prédio foram adquiridos com verbas de emendas federais e serão aproveitados no novo serviço.
Centro de prevenção ao câncer deve atender 49 cidades da região
Foram os índices epidemiológicos do município e região que apontaram o destino a ser dado ao prédio da UPA: a instalação de um centro de prevenção ao câncer. A doença é a segunda causa de mortes na cidade, segundo a Secretaria de Saúde, ficando atrás somente das doenças cardiovasculares.
– É uma necessidade da macrorregião Serra, que inclui 49 municípios, de aumentar o diagnóstico, fazendo a busca ativa para detectar de maneira cada vez mais precoce o câncer – explica a secretária Rosane da Rosa.
A escolha foi feita, o modelo já está pré-determinado e as instâncias locais e regionais já foram vencidas. Falta apenas a regulamentação por parte do Ministério da Saúde.
O foco do centro será no diagnóstico do câncer de mama e de colo de útero (prevalência entre as mulheres) e detecção e tratamento de câncer de pele. A ideia é que a equipe do novo espaço faça a busca ativa de pacientes nas unidades de saúde e domiciliar. A unidade terá atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e porta aberta, ou seja, sem necessidade de encaminhamento. Haverá, ainda, uma unidade móvel – uma carreta equipada com consultório e aparelhos para realização de exames.
Serão feitas mamografias, ecografias e biópsias, entre outros procedimentos. A proposta é, na prevenção de câncer de mama, a realização, a cada mês, de 2 mil mamografias, 570 exames complementares, 800 ecografias, 100 biópsias e 204 consultas. Em relação ao câncer do colo do útero, estão previstos 2,8 mil exames de Papanicolau, 200 consultas, 170 colposcopia e 170 biópsias.
Município repassa R$ 1,1 milhão por mês ao hospital
Para se manter funcionando, o Hospital São Carlos precisa do repasse mensal de R$ 1,1 milhão da prefeitura. Há cinco anos, a instituição enfrenta uma grave crise financeira, com uma dívida que chegou a R$ 40 milhões e colocou em risco a continuidade das atividades. Recentemente, com esforços conjuntos de gestores e comunidade, o montante foi reduzido pela metade. Em 2017, além dos recursos programados, a prefeitura fez ainda, com autorização da Câmara de Vereadores, um aporte extra de R$ 1 milhão à instituição.
Para a manutenção da UPA, o município diz que teria de desembolsar cerca de R$ 500 mil para completar o valor de R$ 700 mil por mês necessários para a operação, já que os valores repassados pelo Estado e União que já foram de 50% e 25%, respectivamente, estariam defasados e hoje não ultrapassariam os 30%. O dinheiro que iria para a UPA teria de ser deduzido do que é repassado ao hospital, o que inviabilizaria a operação.