A Síria, um país localizado no Oriente Médio, fazendo fronteira com o Líbano e o Mar Mediterrâneo, vive hoje um dos cenários mais devastadores dos últimos tempos. A luta das forças rebeldes contra o governo do presidente Bashar Al-Assad deixa, desde 2011, um rastro de destruição e mortes.
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Em meio a cidades em ruínas e um saldo de mais de 240 mil pessoas mortas, milhares e milhares de sírios saem em fuga, a cada dia, para diversos países da Europa e do Oriente Médio. Muitos deles acabam morrendo durante a travessia, principalmente pela situação precária dos barcos e os constantes naufrágios no Mar Mediterrâneo.
Só que outros, ao contrário do fluxo migratório, decidiram pegar o caminho oposto e percorrer 10 mil quilômetros até chegar ao Brasil. De acordo com o Comitê Nacional de Refugiados (Conare), ligado ao Ministério da Justiça, atualmente há 2.077 mil sírios em condição de refugiados no país. A comunidade representa o maior número de refugiados em terras brasileiras, seguidos pelos angolanos e colombianos.
O Rio Grande do Sul acabou sendo o destino de Adel Al Deb, 53 anos, e Samira Toumeh, 50 anos. Desde 2013, o casal sírio está refugiado em Antônio Prado, pequena cidade da Serra Gaúcha com cerca de 14 mil habitantes. A região que, há 140 anos, foi colonizada por imigrantes italianos, hoje vive uma nova onda migratória, com haitianos, senegaleses e também sírios. Diferentes na nacionalidade e na cultura, mas iguais no objetivo: a busca por uma vida nova no Brasil.
O casal recebeu a reportagem em seu novo lar, com um típico café árabe e uma torta que, segundo Samira, é "meio árabe, meio brasileira".
O início da guerra
Em março de 2011, Adel Al Deb, então com 49 anos, trabalhava como técnico de raio-x em um hospital da cidade de Homs - a terceira maior da Síria. De uma hora para outra, a Primavera Árabe, levante que ocorria na época em países como o Egito e a Líbia, por exemplo, tomou as ruas da cidade. E, a partir daí, começaram as bombas, os tiros, a destruição e as mortes.
Adel diz que viu muita coisa ruim dentro do hospital, onde a todo momento entravam milhares de pessoas feridas e precisando de ajuda. Mais tarde, o ato ficaria conhecido com a Queda de Homs, o principal símbolo da resistência contra o partido e o governo do presidente Bashar Al-Assad, que atua no poder há quase 50 anos através de um modelo ditatorial.
- Começou a guerra, a gente via muitas bombas. Muitas vezes, eles tentaram destruir o hospital onde eu trabalhava. Depois, eu fugi. Nesse período, o hospital foi destruído e outras pessoas que trabalhavam lá morreram - diz Adel.
Sem luz, água e comida
O que começou em Homs acabou se alastrando para outras cidades da Síria, deixando um rastro de destruição e mortes. Adel Al Deb até tentou trabalhar em um posto de saúde de uma cidade vizinha a Homs, mas não deu certo. O país começava a viver tempos de fome e a falta de recursos básicos, como água e luz.
- Não tem polícia porque tem guerra. Problema civil não é importante. Não tem luz também. Cada cidade tem, por dia, duas ou três horas de luz. Nem precisa de geladeira. Há pouca água nas cidades. Também não se come mais carne por lá, porque é muito caro. Um quilo de carne é mais de R$ 20, e o salário é mais ou menos R$ 300. Se eu volto para a Síria, o salário não vale para seis dias.
A decisão de partir
Dois anos após o início da guerra, Adel e a esposa, Samira, decidiram deixar a Síria. Em Antônio Prado, na Serra Gaúcha, os dois filhos do casal, Fahed e Leith, e a irmã de Samira, Joulia, já os esperavam. U$$ 2,5 mil dólares foram investidos na passagem de avião da Síria para o Brasil.
- Não é fácil sair da Síria, a passagem é muito cara. Eu vendi meu carro para comprar a passagem de avião. Meu irmão ficou por lá. A gente conversa pelo Whatsapp, eles querem sair da Síria. Mas meu irmão tem cinco filhos, mais a mulher, dá sete... É muito caro. Todo mundo que já saiu da Síria, saiu para viver. Todos que fugiram da Síria fugiram para viver - contou Adel.
A vida no Brasil
A família mora em uma casa alugada, no Centro de Antônio Prado. A residência de madeira é uma das 47 casas da cidade que ainda preserva a construção original feita pelos imigrantes italianos que colonizaram a região. Por dentro, um mobiliário simples, mas bastante acolhedor. O local abriga quatro dos cinco sírios que escolheram se refugiar na cidade.
Al Deb até tentou continuar como técnico de raio-x no hospital do município, mas hoje trabalha em um posto de combustíveis. Os dois filhos do casal possuem um loja, onde vendem produtos e objetos árabes. Além da dificuldade com a comunicação - Samira, por exemplo, mal fala português, apenas em árabe - outra diferença do Brasil para Síria foi a comida.
- Hoje a gente faz uma mistura, porque aqui não tem como fazer comida árabe (risos) e também não fazemos comida brasileira, italiana. Só carne mesmo. Na Síria, a comida é diferente: abobrinha, berinjela, por exemplo, são pequeninas e a gente colocava carne moída e arroz como recheio. Aqui, é tudo muito grande (risos) - conta Al Deb.
Apesar das diferenças, o casal caracteriza o povo gaúcho como simples, bom e que gosta de ajudar. Moradores da cidade costumam doar roupas e pertences para casa aos refugiados.
- Aqui tem liberdade. Liberdade não é fácil. País árabe não tem liberdade. Aqui no Brasil, come o que quer, sai quando quer. Tem liberdade. Só que tem muitos países que realmente ajudam a gente, como a Alemanha, por exemplo, com apartamento e pouco dinheiro. Aqui no Brasil, tu pode morar aqui. Se tu quiser serviço, tu acha. E eles dizem o Brasil está de portas abertas.. Mas elas sempre tiveram abertas. O governo brasileiro precisa ajudar a gente com outras coisas também. Tive dificuldades até para tirar a carteira de motorista - reclamou.
A foto do menino Aylan
O casal de refugiados também comentou a foto do menino sírio Aylan Kurdi, encontrado morto em uma praia da Turquia após tentar atravessar o Mar Mediterrâneo com os pais fugidos da guerra.
Adel afirma que a imagem realmente é um símbolo da questão dos refugiados no mundo todo, mas que a criança é apenas uma entre as milhares que já morreram devido à guerra.
- Eu vi muitas coisas quando trabalhava no hospital. Depois guerra fica mais forte, mais forte. Agora essa foto, tem o que, dez dias. A foto fez muito movimento no mundo todo. Mas quando começou guerra, tudo igual. Primeiro dia, quando começou a guerra, todo dia foi igual ao dia que morreu a criança.
O futuro
Adel e a esposa, Samira, convivem diariamente com a angústia de receber notícias de outros familiares que ainda estão na Síria, como as outras duas filhas do casal, Rita e Rimah. Infelizmente, sem uma perspectiva de término da guerra no país, eles ainda não sabem quando realmente poderão voltar para casa.
- Na verdade, eu gosto da Síria. Mas agora ninguém sabe o que vai acontecer com a Síria. Ninguém sabe que futuro dar para a Síria. Se a guerra terminar, se tiver governo e segurança, eu volto para lá. Mas isso ninguém sabe quando vai acontecer.
Serra Gaúcha
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