Viviane Borges dos Santos, mais conhecida como a Garota do Loló, provavelmente comemorará o aniversário de 33 anos sob as marquises do bairro São Pelegrino, em Caxias do Sul, nesta quinta-feira. Há pelo menos 19 anos, a mulher vive de esmolas e dorme ao relento.
O vício em loló (combinação de clorofórmio e éter) lhe rendeu fama ingrata por toda a cidade. Ela é vista como um estorvo, virou personagem de peça teatral e suas fotos circulam pelas redes sociais. Xinga e é xingada. Agride quem lhe nega uma esmola, tira a roupa em plena rua, invade lojas e promove arruaças. Passou por vários tratamentos, mas jamais abandonou as drogas.
Tem gente que diz essa vida é uma opção. O serviço de assistência social e saúde pouco faz para retirá-la das ruas, afirmam outros. Não há como negar, contudo, que Viviane é resultado da nossa indiferença.
A história da mulher também passa por falhas na rede de proteção. Ela nasceu em Caxias do Sul, viveu os primeiros anos no bairro 1º de Maio e se mudou para o Diamantino com a família. Eram tempos de privação. Dos irmãos, ganhou o apelido de Pita. Frequentou a escola Atiliano Pinguelo e abandonou os estudos na 4ª série do Ensino Fundamental, segundo registros da Fundação de Assistência Social (FAS).
Na infância e parte da adolescência, ela parecia se contentar com tudo. Se houvesse apenas pão para comer no almoço, não havia problemas. Jamais demonstrou ambições ou sonhos. Gostava apenas de cantar, mas não era dada a brincadeiras. Aos 14 anos, Viviane decidiu fugir de casa.
Esse ato escancarou uma falha na rede de proteção já fortalecida pelo recém-criado Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Se a lei tivesse sido aplicada à época, a rotina de Viviane possivelmente seria outra hoje. Sem atenção significativa do Conselho Tutelar ou supervisão de parentes, a adolescente passou a viver no Euzébio Beltrão de Queiróz, entre traficantes e viciados em crack.
Nos primeiros meses, conseguiu se manter afastada das drogas. O cabeleireiro Jair Gubert lembra dela circulando pelos corredores do Centro Comercial São Pelegrino. Havia até uma certa simpatia por parte das pessoas.
- Era uma menina aparentemente normal, saudável. Vinha sempre sozinha, entrava aqui, a gente dava um dinheiro - diz Gubert.
À noite, Viviane era vista na Avenida Júlio de Castilhos ou vias próximas. Em pouco tempo, mergulhou no vício. No final dos anos 1990, migrou para as calçadas do São Pelegrino. Só que diferentemente de outros moradores de rua, a jovem adotou comportamento extravagante turbinado pelo uso contínuo de loló.
A Associação de Moradores do bairro coletou 4 mil assinaturas solicitando intervenção do poder público. Em 2012, ela foi levada para tratamento contra as drogas e ficou mais de seis meses afastada das ruas, levando muita gente a pensar que ela havia morrido. A expectativa era de que a trajetória errante pudesse ser revertida, o que foi um engano.
De volta às ruas, muita gente tratou de mantê-la doando dinheiro e comida. A oferta de esmolas inclusive é apontada como motivo para Viviane permanecer longe dos serviços de assistência social.
- Nunca me importei de dar lanche para ela, mas um dia ela entrou aqui e pediu a uma cliente para tomar um pouco de refrigerante. Mas a Vivi queria tudo e ganhou só um pouco. Daí virou a bebida sobre o prato da moça. Parei de ajudar - conta Ernandes Rizzotto, dono de uma lanchonete.
Atitudes como essa levam a crer que Viviane tem problemas psiquiátricos. Vanice Fontanella, diretora técnica da Política de Saúde Mental do município, explica que não há diagnóstico anterior sobre isso. Os distúrbios atuais seriam sequelas do uso excessivo de drogas, o que resulta em perda da memória, inteligência, do juízo crítico e da percepção. Versão confirmada pela irmã Lucinara dos Santos Cardoso:
- Muita gente acha que minha irmã tem problemas mentais, mas não. Ela tem noção do que faz e do que quer.
É visível o quanto Viviane está debilitada. Os comentários em São Pelegrino são de que ela precisa de cuidados urgentes, caso contrário, pode sucumbir. Mas tudo isso são opiniões. Como Viviane não procura atendimento médico, é a equipe do Consultório de Rua que vai até ela uma vez a cada 30 dias, em média.
- A Viviane tem um vínculo bom com a equipe quando é possível manter contato. Ela teve consulta há duas semanas em uma UBS, onde foram tratadas feridas. As pessoas precisam respeitá-la porque é um direito a opção de viver na rua - diz Vanice.
Leia a matéria completa na edição impressa.
Drama social
Moradora de rua conhecida como Garota do Loló completa 33 anos nesta quinta-feira, em Caxias do Sul
Apesar de já ter passado por vários tratamentos, Viviane resiste em abandonar as praças e calçadas do bairro São Pelegrino
GZH faz parte do The Trust Project