Este conteúdo integra a coluna Caixa-Forte do jornal Pioneiro, que é produzida interinamente pela jornalista Juliana Bevilaqua
Prepara a máquina. Verifica se nenhuma agulha está quebrada. Confere os pentes. Ajusta os pesos. O fio de lã vai soltando o cone para ganhar uma nova forma. O pano vai descendo. Retira. Mede. Mostra a amostra. Ainda não está bom. Tem de apertar um ponto. Ponto pérola, jacquard, trançado, meia malha. Desmancha. Volta a ser fio que volta a ser pano. Envia para a vaporização. O ar quente que sai da prensa se mistura ao vento frio que entra pela porta. Tem ainda o corte, a costura e o remalhado. Acabamento, vaporização de novo e revisão. Está pronto. Etiqueta, embala. Coloca nas caixas. Emite nota fiscal. Despacha para o cliente. Veste a modelo da passarela e das capas de revista. Está na vitrine da loja. Aquece as pessoas na rua. No quartinho dos fundos de casa começa tudo de novo. Tem nova coleção. Em meio às rocas de fio e cheiro de parafina, a pequena passa o tempo. Tempo passa e ela cresce embalada pelo vai-e-vem do carrinho da máquina de tecer. Hora de começar a ajudar. A desmanchar panos, enrolar fios. Em cima do balcão amarelo, em uma folha do caderno com as marcações das peças, escreve as primeiras palavras. A mãe dita a lista de compras, letra por letra, enquanto ajusta a máquina para uma nova blusa. A avó grita que o café está pronto. Tem pão, queijo, salame e bolo. Tem avô chegando da rua com bala de hortelã. Fim de intervalo. Hora de voltar. Em volta, a menina. Mais uma hora. Duas, talvez. Que horas o pai chega? Deve estar quase. Porta abre. Ela pula e corre em direção à sala. Tem graxa na roupa e um pacote de bolacha nas mãos. Mas isso é assunto para outra crônica.
* Esse texto foi escrito há cerca de um ano para homenagear minha mãe, tecelã. Como está começando a Tricofest de Picada Café, achei que seria interessante publicar minhas memórias de infância como forma de reconhecer o importante trabalho do setor malheiro não só da Região das Hortênsias, mas de toda a Serra. Aproveito para convidar os leitores da coluna para acompanhar o Chamada Geral da Gaúcha Serra deste sábado (8) que será transmitido direto da Tricofest. Estarei na apresentação.