Viagens mais curtas, aumento da procura por destinos interioranos sem aglomerações, e consolidação do meio digital como ferramenta de intermediação, são características predominantes da retomada do Turismo na Serra gaúcha iniciada ainda durante a pandemia. Além disso, o desafio de conquistar o visitante quando todas as recomendações dizem respeito a ficar em casa vai muito além do cumprimento de protocolos sanitários que garantam a segurança de todos em relação à covid-19. A experiência de, inevitavelmente, inovar acompanha mudanças de comportamento que apontam para a consolidação de novas tendências no setor, estabelecendo, também, novos desafios a serem superados para uma garantia de sucesso nesta nova realidade.
Para Amanda Paim, coordenadora estadual de Turismo do Sebrae-RS, são três os principais desafios que se impõem e que devem ser observados, inclusive no fazer turístico da Serra gaúcha. O primeiro deles, diz respeito à autenticidade que, de acordo com ele, deve ser encontrada sobre os pilares da legitimidade de cada iniciativa.
— A gente vê muitas empresas e municípios fazendo a mesma coisa. É um ponto a se melhorar muito na Serra, porque com tanto destino parecido não estimula as pessoas a se deslocarem de uma cidade para a outra. A região tem a característica da imigração italiana na cultura, isso deve ser aproveitado como pano de fundo, com certeza, mas cada destino precisa ter sua versão, resgatar essas histórias para dar veracidade, com experiências diferenciadas — afirma a coordenadora.
Ela destaca que o Turismo foi um dos setores mais afetados pela pandemia, algo que exigiu a adoção de inúmeras medidas para uma retomada segura. Mas isso não é o suficiente. Dados levantados pela entidade em agosto de 2020 já demonstravam que 60% dos turistas do Rio Grande do Sul são gaúchos e que 38% deles viajam para uma mesma cidade. Dos turistas que vêm de fora, 45% também acabam focando em um só destino. Tendo em vista este novo comportamento, identificado em muitos empreendimentos do setor, Amanda também destaca a importância da utilização dos canais digitais como forma de fortalecer vínculos com os visitantes, gerar interesse das pessoas voltarem àquele destino e, mais do que isso, entender o comportamento de sua clientela.
— Usar informações de cadastros para entender o perfil de consumo, as tendências, o desenvolvimento de novos produtos a serem ofertados. Essa análise é muito importante para o avanço do Turismo de uma forma geral — destaca.
O terceiro ponto essencial para a recuperação e desenvolvimento do setor ao longo dos próximos dez anos, de acordo com a especialista, é o fortalecimento do trabalho conjunto do Poder Público e da Iniciativa Privada, que vão desde o amparo por meio de políticas como o Fundo Municipal de Turismo, até concessões de parques e praças, por exemplo, no intuito de modernizar a infraestrutura pública por meio de investimentos privados.
Consultora nas áreas de planejamento e gestão do turismo, Paula Nora observa que a atual situação ainda é novidade e bastante específica, sendo alvo de estudos e acompanhamentos, ainda em desenvolvimento. Ainda assim, ela já observa uma tendência que poderá perdurar após o isolamento, que seria o fim - ou, pelo menos, uma diminuição - da sazonalidade.
— Penso que uma das mudanças poderá ser essa demanda por destinos um pouco menos flutuante. O home office vem permitindo que as pessoas viajem em momentos mais distintos e não, necessariamente, na alta temporada. Se isso se concretizar vai ser excelente, pelo fato da demanda se tornar mais linear — observa a consultora.
A preferência por passeios em espaços ao ar livre, longe de aglomerações — estas mais facilmente evitadas, inclusive, nas viagens fora de temporada — é parte da realidade que já se apresenta no turismo regional e que também impõe um desafio que, conforme superado, pode funcionar como uma importante chave no processo de retomada do setor:
— O momento está exigindo que encontrem-se alternativas para a garantia da proximidade, da sensação de acolhimento, mesmo com o distanciamento físico. O desafio é desenvolver, com criatividade, mecanismos que garantam a integridade da saúde e que, ao mesmo tempo, permitam uma sensação de 'calor humano' para os visitantes — aponta.
Novo comportamento exige adaptação
A receptividade calorosa sempre foi marca da família Tomasi, que há cinco anos abriu a Addolorata Culinária Italiana, no interior de Bento Gonçalves. O destino, que fica no distrito de Tuiuty, no Vale do Rio das Antas, chegou a fechar as portas em março de 2020, em função da pandemia. A continuidade do negócio dependeu de adaptações que começaram pela ampliação na venda dos pratos do restaurante em versões congeladas, aliada a uma divulgação mais intensa nas redes sociais. Desde a reabertura, em setembro de 2020, as experiências passaram a ser oferecidas para grupos menores, com o desafio de manter o mesmo nível de proximidade em relação aos visitantes apesar do distanciamento social.
— Recebíamos excursões com 40, 50 turistas. Pra este ano estávamos com bastante coisa agendada, mas as pessoas começaram a cancelar, então sentimos que a coisa tinha mudado. Tivemos essa sensibilidade de criar pacotes menores, para famílias, casais ou grupos de amigos. Dá um pouco mais de trabalho, mas foi necessário e está tendo uma boa resposta — afirma Verônica Tomasi, uma das administradoras do empreendimento familiar.
Além do restaurante, o destino oferece aos visitantes experiências como o "passeio de tuc-tuc do Nei", que tem como guia e motorista o pai dela, idealizador da Addolorata, seu Nei Antônio Tomasi. O veículo utilizado para auxiliar o trabalho na lavoura transportou os primeiros visitantes há mais de 40 anos, quando a família Tomasi já era referência em hospitalidade ainda que não empreendesse na área.
Para seu Nei, a Addolorata é a realização de um sonho, a continuidade de algo iniciado ainda pelo seu bisavô, há 150 anos, quando migrou da Itália para o Brasil estabelecendo-se naquela propriedade. O espírito de acolhimento, segundo ele, foi passado através das gerações da família, tornando-se uma marca registrada que resiste, até mesmo, às restrições da pandemia. Adaptado às normas sanitárias, a atividade que ele chama carinhosamente de "passei de tuc", continua sendo atração.
— Além de usar máscara não temos a liberdade de abraçar, mas a gente tenta, de qualquer maneira, fazer o melhor, com uma brincadeira, uma piada e muita alegria. As pessoas já chegam aqui com os problemas de ficar trancadas em casa, as preocupações, e aqui a ideia é que se desliguem da cidade, da família, da empresa, da pandemia, do que for. Aqui vai esquecer o ontem e o amanhã, para viver o momento! — destaca seu Nei.
— A tendência é de que tudo seja mais ao ar livre. Já estamos ampliando nosso jardim, as pessoas querem muito ficar fora, explorar a parte externa, respirar ao ar livre. Acho que isso veio pra ficar, as pessoas não vão mais querer ir para lugares fechados com muita gente — complementa Verônica.