Os meses de março e abril são decisivos para as malharias da Serra. É quando as vendas decolam e as máquinas estão a todo o vapor para completar a produção de inverno, que começou ainda em setembro do ano passado. Neste momento, no entanto, ambos — vendas e máquinas — estão parados: 99% das empresas da Serra mantêm as portas fechadas e os estoques abarrotados de peças. Nem mesmo o novo decreto do governo do Estado, que autoriza o retorno da produção, adiantou pois não tem para quem vender. O lamento dos empresários do ramo se junta com os de outros setores da economia. Com uma diferença: eles só têm três meses para garantir a sobrevivência do resto do ano.
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Na Serra, dados do Sindicato das Indústrias de Fiação, Tecelagem e Malharias (Fitemasul), que abrange 22 municípios dão uma ideia da importância do setor: são mais de 300 empresas, que empregam 6 mil trabalhadores diretos.
Em Farroupilha, os donos das mais de 150 malharias, que dão trabalho para mais de 3 mil pessoas na cidade, ainda estão tentando entender o que está acontecendo. O presidente da Associação dos Centros de Compras da Serra (Acecors), Paulo Dalsochio, resume o cenário em uma frase:
— Estamos assustados e sem saber o que fazer.
E prevê:
— Se as lojas não abrirem e o cliente final não comprar, não tem plano de guerra que resolva.
Mais cautelosa, a presidente da Fitemasul, Paola Reginatto, diz que o ano está comprometido para as empresas do setor, mas não perdido.
— O estrago é grande, mas se o inverno for rigoroso e as portas não demorarem a abrir, poderemos salvar muitos negócios.
Dados das indústrias têxteis do Brasil indicam que 92% das empresas tiveram pedidos cancelados nas últimas duas semanas. O empresário que tiver capital de giro ainda pode sobreviver por mais de um mês mantendo a estrutura. Não mais.
Dono de uma das maiores malharias da Serra, a Biamar Malhas, Itacir Marmentini deu férias para seus 270 funcionários. Atualmente, 30 costureiras fabricam, voluntariamente de suas casas, máscaras para os hospitais.
Com as máquinas paradas e as prateleiras lotadas com mais de 300 mil peças, ele aposta no retorno às atividades para tentar manter o negócio funcionando e os empregos.
— O mês de março vou conseguir pagar salários e impostos. No mês que vem, não sei.
Assim como outros empresários, ele está preocupado com a saúde das pessoas e o que o vírus ainda poderá ocasionar. Mas este mês é a época de entregar pedidos e desafogar os estoques.
— Abril, maio e junho são cruciais. Depois não adianta mais. Perdemos uma quinzena de março muito importante. Fomos atingidos em cheio — avalia Marmentini.
EXPANSÃO FREADA
Os planos de expansão da Biamar também foram freados. O projeto de ampliação de 15 mil metros para atender aos clientes que chegam de ônibus todos os anos vai precisar ser revisto. Marmentini diz que o momento é de decisões. O problema é como decidir corretamente, num momento tão instável.
— Vivemos uma situação nova, sem precedentes. Ainda não se sabe o que vai acontecer e quanto tempo isso vai durar.
O prejuízo, segundo ele, é iminente, mas, neste momento, o que mais importa é a saúde.
— Vamos fazer o impossível para que todos fiquem bem e sem planos de demitir.
Pequenas são mais atingidas
Quem mais sente os efeitos da pandemia são as pequenas empresas. Sem capital de giro, elas terão mais dificuldades em se reerguer. Isso se novas medidas de retorno forem anunciadas em breve. Caso contrário, muitas vão fechar as portas, diz o presidente da Acecors.
Com quatro funcionários, a Elegance Malhas, de Farroupilha, espera conseguir superar a crise, mas ainda não sabe como.
— Temos com 4 mil peças estocadas, máquinas paradas e pedidos emperrados. Se nenhuma decisão for tomada pelos governos, não temos outra saída a não ser fechar — lamenta o proprietário, Marcelo Perottoni.
O mesmo cenário se repete na Made Malhas. O proprietário Edson Perottoni diz não estar preocupado com a produção, mas sim com as 60 mil peças já produzidas.
— Temos estoque e não temos pedidos. Um terço das vendas já está perdido — constata.
Segundo ele, o que mais preocupa é não saber o que fazer, como vai ser daqui pra frente.
— O clima é de insegurança, de medo. Quanto tempo isso vai durar?
E revela:
— Estamos quietos aguardando para ver o que acontece.
A presidente da Fitemasul, Paola, diz que entende a preocupação dos pequenos empresários, mas que é preciso ter calma.
— Todos os setores estão no mesmo barco. Vamos acreditar numa mudança.
"Estou num dilema diário", diz empresário
Ronaldo de David comanda a caxiense Malhas Gida, uma das mais tradicionais da cidade. Sob sua responsabilidade estão 50 funcionários diretos e o compromisso de desafogar as 100 mil peças já produzidas.
— Sempre fui um empresário de tomar decisões rápidas. Mas, desta vez, confesso que não sei qual decisão seria acertada. Estou num dilema diário — relata Ronaldo.
Há 10 dias sem produção, ele está dividido entre o bem estar e a saúde dos funcionários e das famílias e o futuro da empresa. A incógnita é se vai continuar produzindo ou não.
— A diferença do setor malheiro dos demais é que somos safristas. Se não vender nos próximos três meses, a recuperação não vai acontecer no segundo semestre.
Ele tem razão. Em setembro começaria a produção do inverno 2021 e há um vácuo de um ano sem faturamento.
— Quem vai ter pulmão para respirar? — questiona.
Cerca de 70% dos pedidos feitos nos primeiros meses do ano estão nas transportadoras, e o empresário não sabe se os lojistas vão querer receber ou devolver.
— Estamos na beira de um precipício, sem saber se vamos conseguir andar à beira dele.
Festimalha previsto para junho e julho
O Festimalha de Nova Petrópolis, que aconteceria de 7 de maio a 14 de junho, está previsto para ser realizado entre junho e julho. Segundo a organização do evento, no entanto, tudo vai depender da evolução da pandemia e das orientações das autoridades. O diretor de Malharias da Acinp, Marcio Kny, diz que a crise atingiu em cheio o setor do municipio e que toda a produção está parada.
— Com o comércio fechado, não estamos conseguindo vender. E a produção também está paralisada. Estamos preocupados com um eventual cancelamento da edição deste ano — ressalta.
Nova Petrópolis tem uma malharia a cada 391 habitantes, produz 800 mil peças por ano, que envolvem 450 toneladas de fios.