Enquanto para a maioria dos setores econômicos, 2020 era um ano de expectativas, para a indústria moveleira, os bons resultados eram quase certeza. Após atravessar cinco anos de baixas (de 2014 a 2018), no último semestre de 2019 o setor embalou e já projetava a retomada para 2020 e a consolidação dos bons índices em 2021. Entre este ano e o próximo, o IEMI, empresa nacional de pesquisa em segmentos industriais, projetava crescimento de 19% nos números do setor moveleiro. Em março, entretanto, a crise do coronavírus frustrou a tão ensaiada retomada.
Em pesquisa recentemente divulgada, a Associação das Indústrias de Móveis do RS (Movergs) ouviu empresas do setor, que avaliaram que as perdas desde o dia 23 de março (quando se iniciaram as restrições no Estado) até o fim de abril atingiriam em torno de 80% no faturamento.
— Ainda é cedo para estimar os estragos que estarão por vir, mas se confirma o que se projetava de queda de 80%. Algumas empresas que já retomaram as atividades nos últimos 10 dias já começam a esboçar algum movimento, especialmente na área internacional, onde já é possível faturar, desde que o país de destino não esteja com as fronteiras fechadas. Mas o mercado interno está parado, até porque o comércio na maior parte do Brasil está fechado — comenta o presidente da Movergs, Rogério Francio.
No Rio Grande do Sul, há cerca de 2,5 mil empresas do setor, que empregavam mais de 40,5 mil trabalhadores até dezembro de 2019. Francio reconhece que esse quadro diminuiu com demissões, porém, ainda não há números de quanto representa o impacto do fechamento de vagas. Segundo ele, entretanto, nenhuma empresa anunciou fechamento até o momento.
— O setor noveleiro nos últimos cinco anos fez a lição de casa, se preparou para que 2020 fosse o ano de retomada. Imaginávamos que o crescimento atingisse dois dígitos, de 10% a 11%. 2020 era o ano da grande virada no setor que sofreu muito nos últimos anos. Mas agora teremos de esperar mais um ano para as coisas se ajustarem — lamenta.
E se o impacto já foi significativo entre março e abril, Francio ressalta que não há perspectiva de retomada, mesmo que 83% das empresas já tenham retornado às atividades.
— Temos um varejo que precisa começar a funcionar e ainda depender que o consumidor vá para as ruas para comprar. Então acredito que maio ainda seja um mês crítico — ressalta, estimando que a crise deve afetar o setor pelo menos até junho.
A pesquisa da Movergs também levantou que 67% dos empresários entrevistados acreditam que a crise ainda levará seis meses, enquanto que 16% estimaram três meses e 8%, que poderá se prolongar por 12 meses. Outros 8% projetam a crise por mais de 12 meses.
Demanda represada ameniza crise em Bento
Com mais de 300 empresas e superando 5 mil trabalhadores, o polo moveleiro de Bento Gonçalves é a maior referência do setor no Estado. Para o município, a importância é ainda maior: representa 45% de toda a indústria de Bento e produz 53% das exportações do município. Ainda assim, o impacto ainda não foi totalmente sentido no setor da cidade em razão da demanda represada do mês de março parado.
— Fomos pegos de surpresa e não conseguimos entregar nada em março. O que não conseguimos, entregamos em abril. A nossa maior incógnita é o mês de maio, o que vai acontecer, uma vez que as coisas estão retomando devagar e não está havendo a reposição de pedidos que a gente esperava —projeta o presidente do Sindicato das Indústrias do Mobiliário de Bento Gonçalves (Sindmóveis), Vinicius Benini.
Embora ainda não tenha a dimensão dos prejuízos, Benini acredita que a retomada só poderá iniciar após a liberação plena do varejo:
— O varejo fechado dificulta bastante, não só o acesso aos nossos clientes, mas por termos nossos fornecedores de matéria-prima para produzir e entregar.
Dólar favorável, mercado fechado
Com a moeda americana operando a mais de R$ 5,70, o cenário se apresentaria favorável para as exportações em tempos normais. No entanto, restrições acabam dificultando o potencial do mercado externo para o setor.
— É uma coisa engraçada, quando o dólar oportuniza melhor resultado para as empresas, ou fecha as fronteiras, ou não tem consumo. O dólar estaria muito para as vendas, mas ainda há algumas barreiras que comprometem o desempenho, principalmente as fronteiras fechadas.
Em 2019, o setor faturou em torno de 190 milhões de dólares em exportações.