Um grupo de donos de postos de combustíveis em Caxias do Sul procurou o Ministério Público Federal (MPF) nesta semana para formalizar denúncia contra a distribuidora Ipiranga. Segundo relato de um dos proprietários dos postos, Cícero Baldissera, 38 anos, ao Pioneiro, a distribuidora estaria praticando ação semelhante a "dumping" — venda de produto abaixo do preço de custo para quebrar a concorrência. Baldissera lembra de situação supostamente semelhante ocorrida em 2018, também em Caxias, que resultou em inquérito civil, atualmente em andamento no MPF.
O caso deverá ser avaliado pelo procurador da República Fabiano Moraes, que atua na área de proteção ao consumidor e à ordem econômica, informa o assessor do MPF, Tiago Coutinho. Uma das possibilidades é o caso ser conduzido como prática predatória de preços.
De acordo com um revendedor que não teria sido contatado pela distribuidora para a suposta ação comercial em andamento, o preço de compra para os revendedores Ipiranga estaria em R$ 4,18 com frete. Entre segunda e quarta-feira, o Pioneiro identificou pelo menos oito postos praticando valores entre R$ 4,17 e R$ 4,19 na cidade. Em média, o litro da gasolina em Caxias está ao redor de R$ 4,50.
—Eles (Ipiranga) vêm fazendo isso há cerca de quatro anos. O objetivo é recuperar volume, que eles perderam e, segundo, quebrar os postos bandeira branca (que não têm vínculo com nenhuma distribuidora), que têm condição de oferecer um preço que o revendedor Ipiranga não tem — diz Baldissera, que já foi revendedor Ipiranga e atualmente é bandeira branca.
A ação atual, dizem os denunciantes, não teria atingido todos os postos da bandeira na cidade. Caxias tem cerca de 100 postos, e em torno de 15% seriam da bandeira Ipiranga. O MPF alerta que está atento às práticas de mercado de combustíveis e pode propor medidas judiciais que entender cabíveis.
Ao Pioneiro, o Sindipetro, o sindicato do setor, informou desconhecer detalhes da denúncia. No entanto, o presidente, Eduardo Martins, afirmou que associados podem acionar a assessoria jurídica do Sindipetro caso se sintam prejudicados.
— Não tivemos nenhuma reclamação de revendedores recentemente. Dumping é uma prática que prejudica demais a revenda. O revendedor pode procurar a assessoria jurídica do sindicato — disse ele.
“OSCILAÇÕES DE MERCADO”
A oscilação de preços para baixo gerou reação no mercado. Para concorrer, outros postos também aplicaram a redução. Na terça-feira, a coluna Caixa-Forte noticiou a prática de preços promocionais a R$ 4,18 e R$ 4,19 em quatro revendas da Rede SIM nos bairros Bela Vista, Lourdes e Cruzeiro. A rede manifestou-se em nota: “São oscilações de mercado em pontos da cidade. Muito provavelmente sejam promoções pontuais e por tempo determinado.” A rede também destaca que não há a percepção de que a oscilação esteja relacionada a bandeiras, mas sim por regiões da cidade.
IPIRANGA NEGA
Em nota, a Ipiranga informou ao Pioneiro desconhecer as denúncias. Na manifestação, a empresa ressalta que a política de preços é praticada conforme características da relação comercial com cada revendedor:
“A Ipiranga informa que desconhece a existência de denúncias de uma suposta prática de “dumping”, esclarecendo, que opera em regime de livre iniciativa e concorrência, nos termos da Lei 9.478/97 (que dispõe sobre a política energética nacional, as atividades relativas ao monopólio do petróleo). Dessa forma, a companhia atua por meio de negociações individuais com seus revendedores, estipulando a sua política de preços conforme as características da relação comercial, contratos existentes, investimentos e outros aspectos para cada revendedor, que é livre na determinação do seu preço-bomba. A empresa ressalta ainda que preza pela transparência e ética em todas as suas ações e relações e não compactua com práticas ou atividades que violem as normas e/ou o seu Programa de Compliance”, diz a nota.
Fiscalização restrita à legislação
Embora não esteja envolvido na situação, o Procon se posiciona contrário a práticas que se configurem como “quebra de concorrência”. Em março unidades do Procon assinaram documento conjunto, encaminhado ao Ministério da Justiça, em que solicitam estudo do segmento de combustíveis no país e propostas de alteração de mercado para equilíbrio de preços.
Segundo o coordenador do Procon Caxias, Luiz Fernando Horn, o órgão entende que há práticas nocivas ao consumidor.
—Não apenas dumping, oligopólio, monopólio ou prática predatória de preços. Não há proteção melhor ao consumidor do que um setor com alta concorrência, mais do que qualquer atuação do Estado, inclusive fiscalizatória — defende.
Horn explica que a apuração dos indícios de irregularidades no setor é feita há muitos anos, porém, até então não foi possível apontar irregularidades que levassem a condenações. Segundo ele, o órgão fica de mãos atadas, pois a legislação federal permite a liberdade na prática dos preços, restringindo a atuação dos órgãos de fiscalização.
— Temos três distribuidoras no país concentrando quase toda distribuição. O problema não são as refinarias, não são os postos, não são eles que ditam os preços de mercado, quem o faz são as distribuidoras.
Horn diz que o consumidor muitas vezes não percebe que o baixo preço não se constitui como benefício a longo prazo.
— A prática predatória a médio e longo prazo gera concentração, levando a um controle unilateral dos preços. Claro que apoiamos que o consumidor aproveite benefícios do mercado. Mas a preocupação do Procon não é o momento isolado, é com o comportamento desse mercado de forma permanente. Queremos um segmento de mercado saudável —afirma.