Há algo de diferente na garagem da casa onde vive Eduardo Zenker, em Garibaldi. Quem vê o portão cinza do lado de fora pode pensar que é apenas mais um entre tantos ao longo de uma rua no centro da cidade. Apenas entrando no local é que se descobre o porquê de ele ser único.
Ali, onde a maioria das pessoas costuma guardar carros, Zenker abriga uma vinícola caseira que produz de 4 mil a 5 mil litros de vinhos e espumantes ao ano. Tudo feito com base em métodos ancestrais de vinificação.
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Em um espaço com 180 metros quadrados, estão distribuídos tanques, barricas, ânforas, um pupitre (estrutura física onde as garrafas podem girar para melhor fermentação) e até uma cave improvisada para armazenamento da produção. Mesmo com a estrutura tendo limitações de espaço físico, Zenker realiza simultaneamente de oito a 12 vinhos e espumantes diferentes. A aposta pela diversidade de bebidas é a marca principal da Arte da Vinha, nome do projeto conduzido desde o final dos anos 1990.
O produtor já fez mais de 50 tipos de vinhos e espumantes, a partir do uso de 32 castas de uva. Cada lote é considerado único e resulta em 200 a 400 garrafas por vez. Zenker testa diferentes combinações de frutas e métodos de vinificação, dispensando o uso de artigos enológicos. Ou seja, nada de colocar enzimas, taninos ou levedura comprada.
A bebida é feita exclusivamente com a fermentação natural da uva. Em alguns poucos casos, adiciona-se uma pitada de conservante. Para o resultado final ser bom, é necessária atenção máxima a cada detalhe.
– Tenho uma relação pessoal com a uva e com cada um dos vinhos que produzo. Tenho um contato diário. Como não coloco conservantes, se há algum problema, o vinho estraga muito rápido. Se não fizer a manutenção certinha e der essa atenção, eu perco o vinho – explica o produtor garibaldense.
No ponto certo
O processo é totalmente artesanal. Para saber se um vinho está pronto ou não, Zenker recorre a um único parâmetro: o próprio paladar. Ele vai provando as bebidas de maneira periódica até considerar que elas estão boas.
Quando chegam ao ponto ideal, as garrafas recebem o rótulo e são destinadas ao consumo. Com base nesse método, há vinhos com quase 10 anos de idade que seguem repousando na cave, já que, na percepção do produtor, ainda não estão o suficientemente maduros.
– Eu não funciono como uma indústria, que determina que o vinho fique um período determinado em repouso. Eu trabalho cada vinho como um caso diferente. Há casos de vinhos que permanecem um ano no tanque, mais dois na barrica e mais meio ano na garrafa.
Tampouco são feitas análises sobre nível de acidez e outros indicadores ou modificações na temperatura ambiente. Em uma era em que o digital baseia as ações do setor vitivinícola, Zenker segue por um caminho analógico. A escolha é por trabalhar com o resgate de métodos de vinificação que foram deixados de lado devido ao avanço tecnológico e, sobretudo, deixar que a uva aja por conta própria.
– Eu não mexo em nada. Quero ter um resultado com a expressão pura da uva. O próprio vinho é que se faz – justifica.
Zenker não é enólogo. Seu conhecimento sobre a fabricação de vinhos e espumantes veio a partir de estudo por conta própria, a troca de informações com produtores e muito por conta das experiências que já realizou. E a etapa de experimentações de métodos e de tipos de bebida ainda está longe de acabar.
– Nossa viticultura tem cerca de 100 anos, não somos como a França e a Itália que já testaram centenas de tipos de vinificações em centenas de tipos de solo. Conhecer e testar são fundamentais para sabermos quais caminhos seguir. Tenho a mente muito livre, mas a ideia é (no futuro) começar a primar por aquilo que rende melhor.
Negócio tende a se profissionalizar
Hoje em dia, a comercialização dos vinhos feitos pelo Arte da Vinha se dá apenas junto aos garibaldenses e visitantes que vão até a garagem do produtor Eduardo Zenker. Desde 2015, mais de 350 turistas passaram pelo local. O projeto faz parte da Via Orgânica, rota organizada pela prefeitura de Garibaldi que inclui propriedades que trabalham com a vitivinicultura orgânica.
Em um futuro próximo, Zenker tem planos de profissionalizar a iniciativa, tornando-a uma empresa formal. Assim, ele poderá vender para restaurantes, lojas e até exportar. Pedidos não faltam.
– Há muitas pessoas interessadas e hoje não tenho como vender para pessoa jurídica. Existem pedidos até para exportar quantidades pequenas para França, Estados Unidos, Canadá, Inglaterra e Holanda – conta.
Dono de uma propriedade rural em Carlos Barbosa, Zenker tem um vinhedo próprio de 1,2 hectares. Uma parte ainda pequena das uvas utilizadas por ele vem de lá. Isso porque, nos últimos anos, ele fez a conversão para poder plantar de maneira orgânica as variedades Pinot Noir e Chardonnay. Devido à geada, a safra passada foi toda perdida, mas a expectativa é de que, para 2018, sejam colhidos de três a quatro toneladas.
Alguns dos métodos utilizados
Vinificação em ânfora de terracota – É o método mais simples, um dos primeiros da história a ser utilizado para fazer vinho. Esmaga-se a uva dentro da ânfora onde ocorre a fermentação, deixando o vinho em contato com as cascas por um tempo. O recipiente é tampado, ficando completamente isolado.z
Fermentação carbônica – Método francês, consiste em colocar a uva dentro do tanque e realizar o isolamento com uma válvula. Essa válvula é uma espécie de mangueira, que desemboca em um recipiente com água. Assim, o gás sai do tanque, mas evita-se que entre oxigênio. Como resultado, ocorre uma fermentação intracelular.
Método ancestral para espumantes – É um método onde o gás é capturado na primeira fermentação do espumante. Mede-se a quantidade de açúcar e, quando atinge-se a gramatura ideal, tampa-se a garrafa. A fermentação ocorre dentro da própria garrafa. Se tampar antes do tempo certo, ela estoura. Se vedá-la tarde demais, o gás fica fraco.